Portugal falha na promessa de tirar óleo de palma dos biocombustíveis, lamenta ZERO

Assinala-se esta quinta-feira, 24 de agosto, 600 dias após a data indicada pelo governo português para a restrição da comercialização e produção de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma.

Em comunicado, divulgado à imprensa, a Associação ZERO relembra que esta foi uma promessa que, tendo sido incluída no orçamento de Estado de 2021, não foi concretizada em tempo útil e até à data prevista de 1 de janeiro de 2022, pelo Secretário de Estado que era responsável pela pasta da energia. Acresce que este é “um compromisso também ele incluído na Lei de Bases do Clima, que entrou em vigor em fevereiro de 2022, mas que tarda em ser totalmente implementada”, acrescenta.

Apesar de ter existido um “sinal forte” por parte de Comissão Europeia em 2019 sobre a necessidade de abandonar a utilização de culturas alimentares insustentáveis para a produção de biocombustíveis e de ter sido definido, a nível europeu, um abandono progressivo até 2030 na utilização de óleo de palma para produção de biodiesel, a ZERO considera que este era um calendário que poderia ser antecipado, dependendo de os Estados-Membros legislarem nesse sentido: “Portugal, Países Baixos, Áustria, Dinamarca e França comprometeram-se no abandono desta matéria-prima insustentável no curto prazo, sendo que o compromisso destes dois últimos incluía a soja. A grande ambição de Portugal no pelotão europeu virou uma completa desilusão”.

Os biocombustíveis em Portugal

Na produção nacional, a Associação confirma que os números indicam que tem existido uma “evolução muito positiva no abandono da utilização de óleos alimentares virgens como a soja, colza e palma”, com um consumo na ordem dos 16,32% em 2022, e uma “aposta crescente na utilização de matérias primas residuais, de entre as quais se destaca a utilização de óleos alimentares usados (com 68,32%), e matérias-primas avançadas[5] (15,36% em 2022)”. Contudo, há um senão decorrente da dependência da importação: “O contributo nacional com matérias-primas fica abaixo dos 10% (dados 2021)”. Os óleos alimentares usados (OAU) é exemplificativo da situação: “O mercado nacional de recolha de OAU somente garante cerca de 10% das necessidades da indústria de biocombustíveis, sendo os restantes importados de mais de 40 países, entre os quais constam Espanha, Malásia, Arábia Saudita e a distante China”. Nos últimos 4 anos, “foram importados mais de 600 000 m3”, refere a ZERO, constatando que “esta situação de dependência da importação de matérias residuais para a produção de biocombustíveis que afeta não só Portugal, mas também outros países europeus, levanta sempre muitas dúvidas quanto a eventuais esquemas de fraude, que vão sendo pontualmente denunciados, como no caso que recentemente foi noticiado na Bélgica”.

O incremento na importação de biocombustíveis, em especial dos biocombustíveis avançados, levanta algumas preocupações. “O valor em 2022 situou-se nos 77 402 m3, dos quais, cerca de 68%, mais de 48 milhões de litros, são indicados como produzidos a partir de resíduos da indústria do óleo de palma, como são os efluentes de palma ou os cachos de palma vazios”, lê-se no comunicado da ZERO.

O boom de importações de biocombustíveis derivados de resíduos da indústria de palma seguiu-se a uma alteração legislativa em que o POME (efluente da produção de óleo de palma) passou a ter dupla contagem para efeitos da meta de incorporação de biocombustíveis. A aposta, que anteriormente estava centrada na produção nacional e importação de biocombustíveis a partir de óleo de palma, essencialmente para HVO (Óleo Vegetal Hidrogenado), passa agora muito pelos biocombustíveis produzidos a partir de efluentes de óleo de palma e cascas vazias de palma. Ou seja, “continuamos a falar de palma e de um estímulo a uma indústria com fortes impactes ambientais”, alerta a ZERO.

O futuro dos biocombustíveis em Portugal

O futuro dos biocombustíveis vai no sentido da redução da utilização de culturas alimentares. O governo deu um sinal claro no Plano Nacional de Energia e Clima, ao indicar que biocombustíveis a partir de culturas alimentares para consumo humano ou animal com elevado risco de alteração indireta do uso do solo, devem, até 31 de dezembro de 2030, decrescer gradualmente até 0%. Contudo, se este pode ser um sinal positivo no âmbito de um eventual abandono da utilização de óleos de soja, é um retrocesso para o óleo de palma: “Urge efetuar o seu abandono no imediato, e não até 2030, dando resposta às muitas promessas não cumpridas do governo”, defende a ZERO.

A Associação acrescenta ainda que, apesar da aposta ir no sentido dos “combustíveis avançados em detrimento dos biocombustíveis de primeira geração”, é necessário acautelar que a produção de biocombustíveis a partir de resíduos também apresenta um problema: “Os resíduos são finitos, pelo que existe uma limitação no alargamento da sua utilização que é necessário acautelar”.

Como tal, a Associação defende a necessidade de se efetuar um escrutínio sério sobre o mercado de biocombustíveis, para o qual é necessário:

  • tornar pública informação em tempo útil sobre a produção nacional e importação de biocombustíveis, em especial a origem destes últimos;
  • implementar a nível europeu um mecanismo de rastreabilidade que garanta de forma clara e transparente a existência de informação sobre percurso de matérias-primas e biocombustíveis ao longo de toda a cadeia de abastecimento.

Para além disso, e considerando que os recursos são finitos, a ZERO considera que se deve apostar numa mobilidade diferente, com recurso a meios de transporte coletivo mais eficientes e que dêem resposta às necessidades dos cidadãos, assim como ao transporte partilhado, contribuindo para a redução de emissões e para a melhoria da qualidade de vida nas cidades decorrente da redução da pressão exercida pelo tráfego.