Portugal não deve pactuar com o conceito de mineração verde, defendem associações

A confederação europeia das organizações não-governamentais de ambiente, European Environmental Bureau – EEB, que representa mais de 160 organizações e da qual a ZERO é membro, e os Amigos da Terra Europa (Friends of the Earth Europe) publicaram um estudo no qual se procura relacionar o sobreconsumo de materiais na União Europeia, o extrativismo e o Pacto Ecológico Europeu.

As associações lembram, num comunicado, que no século passado a extração global de materiais e a utilização de energia aumentaram rapidamente, mais do que o crescimento da população. Hoje, existem enormes diferenças no consumo entre as populações, e desigualdades na distribuição e acesso aos recursos: “Os 1,2 mil milhões de pessoas mais pobres representam apenas 1% do consumo mundial, enquanto que os mil milhões de pessoas mais ricas representam 72%”. Projeções que seguem tendências históricas, padrões atuais de produção e consumo, e excluindo as consequências de potenciais mudanças políticas, sugerem uma duplicação no consumo de materiais e energia até 2060.

O estudo mostra que a UE já está a promover a extração e o consumo de recursos de forma perigosa tendo em conta os recursos limitados do mundo, com graves consequências:

  • Só a UE já utiliza entre 70% e 97% do “espaço de exploração global ambientalmente segura” relacionada com os impactes da extração de recursos. Qualquer extração de recursos para além deste limite ‘seguro’ ameaça o funcionamento estável dos sistemas biofísicos da Terra.
  • São mortos mais ativistas por se oporem à exploração mineira do que por se oporem a qualquer outra indústria. 50 dos 212 ativistas mortos em todo o mundo em 2019 estavam a fazer campanha contra projetos mineiros.

Sendo hoje a mineração um tema da atualidade, que preocupa muitos cidadãos europeus, em especial aqueles que direta ou indiretamente estão já a ser afetados pela corrida desenfreada aos recursos no subsolo, o Pacto Ecológico Europeu não é suficiente para parar a exploração mineira que está em franca expansão, resultando em danos permanentes para o ambiente e colocando em causa os direitos humanos.

Pacto Ecológico Europeu

O Pacto Ecológico Europeu pretende ser o caminho a seguir para transformar a UE numa economia moderna, eficiente em termos de recursos e competitiva ao mesmo tempo que melhora o bem-estar e a saúde dos cidadãos e gerações futuras. Mas, segundo o estudo, os planos vão no caminho do “consumo como habitualmente”, o que significa um incremento na mineração de certos metais e minerais. Estima-se que, comparativamente com os níveis de 2017, o crescimento do consumo de metais e minerais não metais em 2060 seja de 63% e 42,7%, respetivamente.

Por exemplo, prevê-se que as baterias, principalmente para veículos elétricos, aumentem a procura de lítio na UE em quase 6000% até 2050. Esta procura conduzirá inevitavelmente à escassez, conflitos e uma exploração mineira destrutiva, assemelhando-se muito aos danos sociais e ambientais decorrentes da exploração de combustíveis fósseis. A resposta aqui não é simplesmente substituir carros que funcionam com combustíveis fósseis por carros elétricos – é também reduzir o uso de carros particulares em geral [3] com a promoção da utilização do transporte público e mobilidade suave em meio urbano.

A mineração

Para as associações, dificilmente se pode falar em “mineração verde” (green mining) quando é sabido que a mineração tem sempre impactes. Impactes ambientais como a destruição de habitats levando à perda de biodiversidade local ou à alteração da composição, contaminação do solo, erosão, alteração dos regimes de água e emissões de gases ou partículas, poluição por metais pesados a jusante, contaminação de águas subterrâneas, zonas húmidas e outros sistemas aquáticos. Assim como impactes sociais, com a deslocação de populações indígenas, a utilização de violência sobre as comunidades que se opõem, condições de trabalho ilegal e com pouca dignidade, conflitos resultantes de uma má governança e falta de transparência, entre outros.

Portugal é um dos casos de estudo apresentado nesta publicação, com o projeto de exploração em Covas do Barroso, promovido pela Savannah Resources. Previsto para uma região, é um dos únicos sete lugares na Europa reconhecidos como Sistema Importante do Património Agrícola Mundial pela ONU. Um projeto que é um exemplo de conflito entre a mineração e as populações, assim como um processo com enormes falhas ao nível da transparência no fornecimento de informação.

A ZERO defende que o uso da terminologia é importante na credibilização dos processos de avaliação em curso e os diferentes agentes da sociedade, nomeadamente responsáveis governativos, de autarquias e de empresas, não devem recorrer à publicitação do conceito errado de uma “mineração verde”.

Estas questões demonstram que a transição ecológica deve ser utilizada como uma oportunidade para intervir profundamente sobre as causas das crises climáticas e ambientais – um sistema económico que conduz ao sobreconsumo e às desigualdades sociais em todos os setores, e que Portugal deverá assumir como membro da UE.

“As soluções de fim de linha por si só já não funcionam, precisamos de resolver as muitas questões com a economia linear numa regra pegar-fazer-usar-descartar na própria fonte”, rematam as associações.