Projeto ibérico permite à LIPOR recolher oito toneladas de equipamentos elétricos e eletrónicos em dois anos 

Oito municípios associados, um milhão de habitantes e quinhentas mil toneladas de resíduos urbanos tratados por ano. Representa 1% da área geográfica nacional, 10% da população e 12% da produção de resíduos urbanos. A LIPOR, com 40 anos de existência, tem como missão transformar os resíduos em novos recursos através de práticas inovadoras e circulares, com o objetivo de gerar valor. A visão do resíduo como um recurso é algo que está intrínseco em toda a atividade da LIPOR, pretendendo promover uma gestão cada vez mais eficiente dos recursos, o fecho dos ciclos de materiais reintroduzidos como recursos na cadeia de valor e desenvolver todos os esforços para potenciar a mudança comportamental imprescindível para que o sistema possa ser bem-sucedido. Este foi o ponto de partida para Maria do Céu Silva, Técnica Superior de Ambiente da LIPOR, sublinhar o compromisso da entidade em dar resposta aos desafios das alterações climáticas e da promoção da reciclagem.

Maria do Céu Silva

É precisamente com base no compromisso com a economia circular que a LIPOR integra o consórcio responsável pela implementação do projeto ESTRAEE (Estratégia Sustentável Transfronteiriça para a Gestão dos Resíduos de Aparatos Elétricos e Eletrónicos), liderado pela Deputación de Pontevedra, cujo objetivo assenta em impulsionar uma gestão sustentável dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos no espaço transfronteiriço da Galiza e do Norte de Portugal (área de influência da Lipor), envolvendo todos os atores da cadeia de valor e com um enfoque na promoção da preparação para a reutilização e a reciclagem.

Enquanto parte integrante do ESTRAEE, a LIPOR teve uma participação direta: “Coube-nos adaptar nove ecocentros, garantindo as melhores condições de receção de resíduos elétricos e eletrónicos e garantir o cumprimento legal ao qual os municípios estão sujeitos neste âmbito”. Desta forma, os centros “foram selecionados e trabalhados tendo em conta algumas premissas”, como as “quantidades de materiais que estes ecocentros entregavam”, por forma a “conseguir-se obter os melhores quantitativos de recolhas”, explica Maria do Céu. Com base num estudo prévio destes nove ecocentros, fez-se um levantamento da situação de base, indicando “o estado, que tipo de intervenções faziam sentido realizar tendo em conta os objetivos, seguindo-se um delineamento do projeto, a fase de procedimentos (…)”. Depois, para dar resposta aos desafios identificados (no estudo), procedeu-se à “melhoria dos locais de descarga e a uma renovação e uniformização da sinalética”, ao mesmo tempo que se procedeu à “aquisição de novos equipamentos”, como a “deposição seletiva de equipamentos elétricos e eletrónicos (contentor de 30 metros cubos)”, o “apoio a realização de ações de sensibilização”, bem como a “equipamentos de videovigilância”. No que respeita à sensibilização, a responsável destaca os painéis de comunicação que permitiram aos Municípios a realização de “campanhas de recolha de equipamentos”, entre outros.

Em relação aos novos sistemas de deposição seletivas dos equipamentos elétricos e eletrónicos, Maria do Céu refere que o interior do contentor foi dividido com dois compartimentos, possibilitando a deposição, de forma separada e logo na origem, dos equipamentos que chegam destruídos e dos equipamentos que ainda possam apresentar possibilidade de serem reparados: “(Neste âmbito), foi feita uma norma visual sobre os aspetos tidos em conta”.

Na LIPOR, são rececionados todos os equipamentos com e sem potencial de reparação recolhidos nos ecocentros e provenientes dos municípios. Enquanto os primeiros “são depositados no compartimento de equipamentos com potencial de reutilização”, os outros “seguem o normal encaminhamento como resíduos para reciclagem”, explica Maria do Céu Silva, acrescentando que os resíduos com potencial de reparação são novamente avaliados numa unidade criada para o efeito: “Há a inspeção visual feita no ecocentro e, posteriormente, é feita outra inspeção mais técnica para se confirmar que existe viabilidade na reparação dos equipamentos, onde são pesados, etiquetados para permitir a rastreabilidade e encaminhados para a rede de reparação”. Este contentor instalado no ecocentro tem também um “sistema de acondicionamento, que possibilita aos equipamentos não se degradarem durante o transporte: o ciclo, desde a deposição, transporte até à descarga, é feito de modo a preservar ao máximo a integridade dos equipamentos, maximizando o potencial de reparação”, assegura.

“Se não funcionar, ajude-nos a reutilizar e a reciclar” 

Com vista a dar apoio à atividade de reparação, foi instalado um centro de recuperação e reutilização com diferentes valências: “Temos uma oficina de reparação, um plano de atividade de sensibilização anual dirigido à comunidade (workshops) e foram criados dois novos circuitos de visita às instalações da LIPOR, abrangendo as temáticas da reparação e transformação criativa de materiais”, descreve Maria do Céu.

Para além disso, e sempre no âmbito do ESTRAEE, foi criado um documento que aborda diferentes tópicos, como o “enquadramento legal”, o “modelo da adaptação dos ecocentros aos requisitos legais de gestão de resíduos elétricos e eletrónicos”, as “obrigações e deveres dos utilizadores” ou os “sistemas de recolha dos resíduos de origem doméstica”. Na área da LIPOR foi elaborado um “modelo para os regulamentos municipais de gestão de resíduos”, com participação ativa na “análise de ciclo de vida”, bem como uma aposta forte na comunicação e divulgação, através de “materiais informativos nos equipamentos fornecidos aos municípios”, da “produção do vídeo com uma versão portuguesa”, a “criação de um plano de comunicação que teve a divulgação nos suportes internos e externos” e, ainda, a “realização de dois evento online”.

Entre 2020 e 2022, a LIPOR, através do ESTRAEE, recolheu oito toneladas de equipamentos com potencial de recuperação, algo que corresponde mais de 22 mil toneladas de CO2 evitadas com a reparação destes equipamentos: “No total, foram recolhidas 1.920 toneladas de equipamentos elétricos, o que corresponde a uma capitação de mais de dois mil quilos por habitante por ano e uma recolha de 640 toneladas por ano, em média”. Apesar de se verificar uma “evolução significativa na recolha” e uma “clara subida” dos níveis de hierarquia da gestão de resíduos, a responsável reconhece que há uma grande margem de melhoria, como o “envolvimento do cidadão”, as “alterações necessárias” ou as “análises de tipologia de equipamentos com maior potencial de reparação”, obrigando a uma “visão holística” do processo: “É um caminho que temos que continuar a perseguir”.

Neste momento, a LIPOR já está na segunda fase do projeto, onde estão previstas alguma ações: “Estamos a realizar um estudo para avaliar este modelo implementado e perceber quais são pontos de melhoria, o benchmarking ou as melhores práticas realizadas, bem como a campanha de comunicação “Se não funcionar, ajude-nos a reutilizar e a reciclar“, que já está em curso, e que visa aumentar a informação e consciencialização dos cidadãos para esta temática”.

O projeto europeu ESTRAEE, liderado pela Deputación de Pontevedra, juntou a Energylab, a Revertia, a ERP Portugal e ERP Espanha e a LIPOR, com o objetivo de impulsionar uma gestão sustentável dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos no espaço transfronteiriço da Galiza e do Norte de Portugal, envolvendo todos os atores da cadeia de valor e como um enfoque na promoção da preparação para reutilização e reciclagem. O projeto decorreu no período entre 2014 e 2020.

O projeto CREW 

O CREW nasce com a missão de capacitar a comunidade com ferramentas para que possam “reparar o mundo”. É uma iniciativa que junta a Lipor e a European Recycling Platform (ERP). Sendo que os Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos apresentam a maior taxa de crescimento, com os telemóveis e computadores a ficarem cada vez mais difíceis de reparar, e os eletrodomésticos a falharem ao fim de poucos anos de utilização, o CREW pretende ajudar e sensibilizar para a reparação. Neste sentido, integra o movimento europeu “Pelo Direito à Reparação”, para que as emissões, impacto social e produção de resíduos sejam minimizados e a aposta seja na circularidade, reparabilidade e otimização da gestão de recursos.

Na prática, tal como explica Tânia Pinto, representante da LIPOR, o projeto operacionaliza-se através de visitas às comunidades, onde é feita uma recolha de equipamentos que estão em fim de vida, através de parceiros – “Centros Crew” ou clubes de reparadores – onde é feita a reparação: “Entram na nossa rede e, a partir de outros parceiros de cariz mais social, fazemos doação desses equipamentos reparados a quem mais precisa”.

Inicialmente, a comunicação do projeto começou por focar-se na “população adulta”, acabando por se estender a vertentes, como o “Repair Café”, uma dinâmica que surgiu internacionalmente para sensibilizar as pessoas para a repararem os equipamentos, com ajuda de técnicos. E, num trabalho com a ERP, foi feito um trabalho de “gamification”, com foco nas camadas mais jovens.

O Centro Reutilização do CREW, localizado nas instalações da LIPOR, foi potenciado através do Projeto ESTRAEE e integra experiências desenvolvidas para trabalhar o público mais jovem, como escolas e grupos, onde lhes é dada oportunidade de integrar um circuito de visitas e experiências no âmbito deste tipo de resíduos com vista a descomplicar e a sensibilizar para a problemática.