Qualidade do Serviço de Recolha Seletiva em Portugal: Afinal é ou não é boa?

Por: Joana Xavier e Vera Correia da EGF – Environment Global Facilities

A Qualidade do serviço de recolha seletiva prestada ao cidadão em Portugal pode ser avaliada de inúmeras formas, mas talvez a mais isenta e objetiva será a avaliação feita pela própria Entidade Reguladora que todos anos analisa um conjunto importante de indicadores.

No caso da gestão de Resíduos Urbanos, a ERSAR (entidade reguladora dos serviços de abastecimento de água; águas residuais e gestão de resíduos urbanos) avalia 13 indicadores. Existe um conjunto de indicadores mais relacionado com a sustentabilidade ambiental dos serviços, designadamente emissão de gases e consumos energéticos. Um segundo conjunto de indicadores pretende avaliar a gestão mais interna do serviço, nomeadamente no que diz respeito à gestão de viaturas, recursos humanos, reciclagem e gastos. Mas gostaríamos de nos focar na análise de um terceiro conjunto de indicadores, a que a ERSAR chama “Adequação da interface com o utilizador” e mais em concreto, nos 4 indicadores relativos à recolha seletiva e que impactam diretamente na vida das pessoas.

Para o efeito analisamos o RASARP 2022, Volume 1 referente ao ano de 2021. Pode ser consultado no portal da ERSAR.

Acessibilidade do serviço de recolha seletiva (RU02)

Este indicador avalia a proximidade dos alojamentos aos equipamentos de recolha seletiva de resíduos. O indicador é definido como a percentagem de alojamentos familiares e coletivos com um ecoponto localizado a uma distância máxima de 100 m nas freguesias predominantemente urbanas e de 200 m nas restantes áreas e/ou recolha porta a porta disponibilizada em determinada área.

Como está patente no gráfico, em 2021, 83% das famílias residentes numa área predominantemente urbana em Portugal tinham um ecoponto a menos de 100 metros da sua porta ou um sistema de porta-a-porta. Nas áreas mais rurais, 52% das famílias dispõem de um ecoponto a menos de 200 metros. Em 4 anos estas percentagens subiram 10 pontos percentuais, representando um investimento de milhares de novos ecopontos e dezenas novas viaturas para os recolher. De destacar o desempenho da Amarsul e da Valorsul que são as entidades (em alta) com as mais altas percentagens de acessibilidade do país que rondam os 83%.

De acordo com o relatório da ERSAR conclui-se que, “entre 2017 e 2021 verifica-se um aumento da média do indicador”, o que demonstra um esforço das entidades em melhorar a acessibilidade ao serviço de recolha seletiva através aquisição de mais equipamentos de recolha seletiva de proximidade e densificação das áreas de recolha porta-a-porta.

Figura 410. RU02 baixa – Acessibilidade do serviço de recolha (%) – evolução média do consumidor

Acessibilidade económica do serviço (RU03)

Este indicador avalia a capacidade média das famílias para suportarem o serviço prestado pela entidade gestora. O indicador é definido como o peso do encargo médio com o serviço de gestão de resíduos urbanos no rendimento médio disponível por agregado familiar, na área de intervenção do sistema.

Em Portugal as famílias pagam, em média, 45€ por ano pelo serviço de recolha e tratamento prestado pelas entidades de gestão de resíduos em alta (SGRU). Isto representa 0,12% do rendimento médio disponível.

De acordo com a ERSAR no seu relatório, “Conclui-se que, em Portugal continental, a acessibilidade económica do serviço, em alta e em baixa, é boa face aos tarifários atualmente praticados, indiciando espaço para a adaptação tarifária a uma tendencial recuperação de custos”.

Figura 418. RU03 alta – Acessibilidade do serviço (%) – evolução da média do indicador

De salientar que, apesar do consistente investimento ao longo dos últimos 4 anos para aumentar a acessibilidade da recolha seletiva, isso não se refletiu nos custos.

Lavagem de contentores (RU04)

Este indicador pretende avaliar a prática de lavagem de contentores de modo a permitir a sua utilização em condições de salubridade e segurança. No que diz respeito aos ecopontos, este indicador é definido como o número de lavagens de contentores da recolha seletiva em determinado ano relativamente ao número total de contentores da recolha seletiva. A ERSAR considera que se atinge o nível “SATISFATÓRIA” se cada contentor for lavado em média 1,5 a 4 vezes por ano. A média nacional é lavar cada contentor 0,3 vezes por ano.

É importante referir que existem em Portugal 142 811 contentores de recolha seletiva de superfície e 12 227 contentores subterrâneos e que a sua lavagem 1,5 vezes ao ano comportaria um custo financeiro e ambiental (consumo de água e combustível) bastante elevado, pelo que é necessário ponderar a eficiência da melhoria desse indicador face ao estado de limpeza dos ecopontos. Veja-se, por exemplo, que cerca de um terço destes contentores são de papel e cartão, que tipicamente se mantêm bastante limpos ao longo do ano.

Figura 427. RU04 alta – Lavagem de contentores (-) -evolução média do indicador

Resposta a reclamações e sugestões (RU05)

Neste indicador o objetivo é avaliar o nível de resposta da entidade gestora a reclamações e sugestões escritas dos utilizadores. O indicador é definido como a percentagem de reclamações e sugestões escritas que foram objeto de resposta escrita num prazo não superior a 22 dias (15 se for no livro de reclamações). A ERSAR apenas considera um desempenho de boa qualidade se 100% das reclamações cumprirem este prazo, o que significa que em algumas entidades gestoras basta uma reclamação que não cumpra o prazo para se obter uma qualidade mediana neste indicador. Em média, em Portugal, a resposta cumpre o prazo legal em 99% dos casos.

Em suma, de acordo com os critérios de qualidade de serviço avaliados pela entidade reguladora e considerando os que mais impactam na relação direta entre o prestador de serviço e o consumidor, os dados indicam uma consistente e crescente qualidade do serviço e como excelentes níveis de racionalidade e eficiência com o objetivo de prestar um bom serviço, mas um serviço ambientalmente sustentável e a um custo acessível.

Em 2023 a ERSAR irá publicar o resultado da avaliação com base numa nova Geração de Indicadores (4.ª geração do sistema de avaliação da qualidade de serviço) com maiores níveis de exigência, mas que não permitirá uma comparação direta face ao histórico, pelo que é oportuna esta análise no ano em que o ciclo de indicadores de 3.ª geração termina.

As novas metas de recolha seletiva nacionais exigirão certamente novos patamares de serviço e, inevitavelmente também novos patamares de custos e investimentos que, esperamos, possam ser suportados, em grande medida, pelas Entidades Gestoras do SIGRE, cumprindo o princípio do poluidor-pagador.

Mas ainda assim, Portugal tem muito para se orgulhar na forma como gere os seus resíduos e a sua recolha seletiva e a própria ERSAR reconhece que em geral o serviço é bom e está cada vez melhor.

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