Quando a arte se quer ativista e sem desperdício

Esta quarta-feira, 26 de julho, assinala-se o Dia dos Avós – um dia sentido para a eco-artista lusoamericana Melanie Alves, que viu no falecimento da sua avó (na altura da pandemia), a oportunidade de passar uma “mensagem ativista”, através do seu trabalho.

Melanie Alves

A Ambiente Magazine foi conhecer a autora da instalação de arte urbana “O Colo Como Ativismo”, para saber mais sobre a história por de trás da sua preparação e como o upcycling é mote no seu trabalho artístico.

No Espaço Cultural The Hood, na Praça Central do Centro Comercial UBBO, na Amadora, encontra-se Melanie a recompor partes da sua obra que, diariamente, é tocada pelas pessoas que ali passam. Porém, não é algo que a incomoda – pelo contrário – para ela a arte deve ser pública e deve ser de todos.

Esta instalação assemelha-se a uma casa, a “casa das memórias”, onde “a ideia é dar conforto às histórias destas avós da Amadora”, que a artista entrevistou, através do contacto com associações, redes sociais e a Universidade Sénior – uma forma de dar palco a uma geração que convive com a solidão e uma maneira de homenagear a sua própria avó, que Melanie sempre quis “entrevistar”, mas o tempo foi traiçoeiro.

A obra é composta por diversos elementos que transmitem algo de familiar, desde as botinhas, as roupas aos crochés doados pelas avós e mesmo aos poucos conteúdos que a artista conseguiu recuperar da casa da sua avó.

Mas, esta exposição também se faz de combate ao desperdício, com o uso de restos de tecidos, de caixas velhas, de bocados de portas, de molduras, de espelhos, de caixas de música antigas – tudo a ganhar uma segunda vida e a passar uma mensagem ecológica, além de uma experiência multissensorial, sendo que se pode tocar uma caixinha de música, ler uma mensagem bordada, sentar nos bancos, tocar os tecidos.

Melanie Alves revela que foi nos EUA que criou “uma grande consciência do desperdício”, sendo que “a partir do momento em que compro uma coisa, sou responsável por ela. Por isso, quando faço escultura, intervenções ou instalações tenho uma grande consciência do que estou a utilizar e tento sempre usar coisas em segunda, como aconteceu nesta exposição”, explica.

Todavia, isto não serve só para fazer a obra corrente, sendo que pensa no que vem depois: “quando estou a produzir tenho um saco guardado no estúdio para todo o desperdício de cortes pequenos que já não vou utilizar e reaproveito para enchimento de almofadas”. O que ainda tem qualidade é reaproveitado para outras intervenções.

“A arte é um veículo espetacular para conseguir transparecer todos estes fatores [sustentáveis] e do que está a acontecer no mundo”

E como conseguiu tanto tecido? Foram, pois, fábricas portuguesas que os doaram, de boa vontade, assegura Melanie – as pessoas “ficam muito interessadas e intrigadas pelo facto de haver marcas que doam imenso e pensam que isso não era possível”, mas a verdade é que “sem este apoio ia ser muito difícil porque, a nível económico, estar a comprar em segunda mão não seria viável”.

O que não foi usado nesta instalação, a artista tem dividido e encaixotado para ser usado em futuros trabalhos: “acho que em todas as áreas é preciso ter muita consciência, mas, ao nível da arte, é na escolha de materiais, na escolha do conceito, perguntas de “porquê” e de “e porque não”, e ver o peso e o impacto que tem”, diz a artista, acrescentando que “dá para funcionar e dá para fazer as coisas de forma a que respeitem o meio ambiente”.

Para Melanie, a sua arte cria-se sempre a partir de algo “apaixonante e importante” para si, mas o objetivo é tocar a mais pessoas, como é o caso do “Colo Como Ativismo”, onde se quer “formatar a mentalidade” em relação aos consumos, ao tempo das coisas e ao prazo da vida.

“Quero que a minha arte seja conhecida como uma arte de e para a comunidade, para todo o público, mas feita também de partes da comunidade, feita de pedaços de nós. O mundo já tem imensos objetos e devemos ter mais consciência do que compramos e do que necessitamos. Se puder ser reconhecida como uma artista que usa maioritariamente material reutilizável e que fala para a comunidade, realizei um sonho”, conclui.

A instalação “Colo Como Ativismo” tem entrada grátis, das 10h às 23h, até 31 de agosto.