Recivalongo e os próximos passos na ação nacional sobre aterros

O aterro da Recivalongo é um aterro situado no concelho de Valongo destinado a resíduos não perigosos. Possui licença ambiental e licença de operação de deposição de resíduos desde 2012, estando autorizada para receber uma grande diversidade de resíduos não perigosos.

Segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), relativos a 2018, a Recivalongo recebeu resíduos de 365 empresas nacionais, de diversas proveniências e dimensões, desde pequenas empresas do sector da construção civil até empresas da grande distribuição chegando, inclusivamente, a receber resíduos provenientes das Águas de Valongo. Todos estes resíduos representam cerca de 87% do total dos materiais depositados neste aterro, sendo os restantes 13% de proveniência internacional.

No dia 3 de janeiro de 2020 foi elaborado um despacho da Secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa, dirigido à APA, a quem foi dada ordem de paragem a novos pedidos de entrada de resíduos com destino a eliminação. No entanto, estão ainda a decorrer processos autorizados em 2019, razão pela qual a receção de resíduos de origem internacional na Recivalongo poderá ainda ocorrer.

Em 2019, a Inspeção Geral do Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT) procedeu a diversas ações inspetivas no aterro, das quais resultou a identificação de incumprimentos que deram origem a autos de notícia, cujos processos encontram-se ainda em fase do exercício do direito de defesa por parte do operador. Já em janeiro de 2020, a IGAMAOT voltou a efetuar uma inspeção a esta instalação, aguardando-se informação sobre a mesma.

De modo a responder às preocupações da população e da Câmara Municipal de Valongo, no final de 2019 foi constituída uma Comissão de Acompanhamento (CA) que integra elementos da APA, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Autoridade Regional de Saúde do Norte e da própria Câmara Municipal de Valongo.

A primeira reunião e visita da CA à Recivalongo realizou-se a 18 de dezembro, onde estiveram presentes todas as entidades anteriormente referidas. Desta reunião, resultou um conjunto de medidas corretivas, a maioria das quais a serem concluídas até 28 de fevereiro, nomeadamente:

– Cumprir rigorosamente os procedimentos previstos nas operações de deposição de resíduos em aterro, designadamente com a redução ao mínimo exequível da frente de trabalho de deposição dos resíduos, bem como proceder à cobertura diária da totalidade dos resíduos depositados, através da aplicação de camadas de terras com 15 a 25 cm de altura, conforme previsto no Manual de Exploração do Aterro;

– Incrementar a cobertura parcial por telas “provisórias” da área da atual célula de deposição de resíduos, tendo por objetivo reduzir ao mínimo a área exposta à formação de lixiviado e a área presumível na geração e libertação de odores;

– Finalizar a cobertura dos tanques da ETAL (Estação de Tratamento de Águas Lixiviantes), por forma a mitigar um dos possíveis focos de odores;

– Promover a execução de uma cobertura da bacia de retenção do depósito de combustível, no sentido de haver uma proteção à queda das águas das chuvas. A empresa deverá ainda desenvolver as diligências tendentes à finalização do licenciamento do depósito de combustível;

– Instalar uma grelha de retenção de resíduos sólidos na rede de drenagem de águas pluviais e a montante do ponto de descarga em meio hídrico.

Com vista a avaliar a implementação e a eficácia destas ações e, no âmbito do acompanhamento de proximidade efetuado à instalação, encontram-se agendadas duas reuniões da CA, para os dias 10 e 20 de fevereiro de 2020, antes da data limite para a concretização das medidas.

Para além destas, foram também dadas orientações às diversas entidades para avaliarem, nas áreas das suas competências, as queixas da população, nomeadamente em termos de saúde pública, para aferir da necessidade de serem tomadas medidas mais restritivas.

Na sexta-feira, dia 7 de fevereiro, por iniciativa da secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa, foi realizada uma reunião, em que estiveram presentes representantes da CCDR-Norte, ARH Norte, APA, e a Câmara Municipal de Valongo, incluindo o presidente da Autarquia. A reunião visou discutir e avaliar as ações já tomadas e em curso, quer do lado da tutela, quer do lado das entidades que compõem o CA, e assim evoluir na aprendizagem e coordenação necessária a garantir a minimização/eliminação dos impactes sentidos pela população, nomeadamente os maus odores e insetos reportados.

Enquadramento Nacional

O Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC) recebeu num curto espaço de tempo um número considerável de reclamações sobre aterros localizados em diferentes áreas do território nacional. As reclamações apresentadas incidem sobretudo nos maus cheiros libertados, presença de aves, insetos e a receção de resíduos de outros países.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2018 os resíduos industriais produzidos em Portugal ascenderam a cerca de 10,7 milhões de toneladas, 9 milhões das quais são valorizada (por exemplo, refinação ou reciclagem), e cerca de 1,7 milhões são encaminhados para eliminação (por exemplo, incineração ou aterro). Em 2018, segundo o relatório de movimentos transfronteiriços de resíduos publicado pela APA, deram entrada em Portugal 111 mil toneladas de resíduos para eliminação oriundos de outros países.

O súbito alarme sobre a eventual receção de resíduos contendo materiais perigosos, os cheiros e presença de aves associada a resíduos orgânicos, e as dúvidas levantadas sobre as operações conduzidas em alguns dos aterros levou, num primeiro momento, a que o foco do problema fosse atribuído à importação de resíduos e à baixa Taxa de Gestão de Resíduos (TGR).

Mas a verdade é que Portugal se encontra nas últimas posições como destino de resíduos para aterro, assim apontam os últimos dados compilados pelo Eurostat. São quatro os países que recebem 90% dos resíduos importados para eliminação (que inclui aterro, incineração e outras operações de eliminação): a Alemanha com 62%; em segundo lugar, França com 14%; em terceiro a Bélgica com 9%; e em quarto lugar a Áustria com cerca de 5%.

Portugal é responsável por 1,61% dos resíduos importados para eliminação, percentagem que contraria a imagem que tem vindo a ser criada sobre a posição do nosso país em matéria de movimento transfronteiriço de resíduos.

No que diz respeito ao tipo de tratamento, se isolarmos apenas as quantidades que têm por destino o aterro, então a Alemanha é o destino por excelência para 83% destes resíduos, seguido pela França com 12%. Portugal recebe 2% do total de resíduos importados com destino de aterro.

No que diz respeito à TGR, a mesma incide sobre a quantidade de resíduos que é efetivamente eliminada, como seja a que é depositada em aterro ou incinerada. Este é um instrumento usado para desencorajar as opções de menor valor da hierarquia de gestão de resíduos. No entanto, a este valor acresce pelo menos o custo do transporte, custos administrativos (no caso do movimento transfronteiriço de resíduos) e tarifa de entrada nas instalações, que no caso de um aterro de resíduos industriais é definida pelo operador privado.

Mas, mesmo isolando a TGR, existem países europeus onde esta taxa é ainda mais baixa ou mesmo inexistente, segundo estudos recentes feitos para a Comissão Europeia. Por exemplo, na Grécia, apesar de existir, a TGR nunca foi aplicada na prática; a Alemanha não aplica TGR, mas baniu a deposição de resíduos não tratados; a região de Castela-Leão em Espanha cobra 7€/tonelada (resíduos não recuperáveis); na Croácia, a mesma só é paga acima de determinada meta de deposição; em Itália, o preço varia entre os 5,2€ e os 25,82€ consoante a região; na Roménia houve várias tentativas para a sua introdução, mas sempre com retrocessos; na Eslovénia pratica-se também uma TGR de 11€ embora vá evoluir para ser modelada consoante o desempenho em matéria de reciclagem.

O que se segue 

Apesar dos resíduos vindos do exterior para eliminação representarem 6% do total de resíduos industriais eliminados em território nacional em 2018, o facto é que desde 2017 tem-se vindo a assistir a um aumento da entrada destes resíduos, com os dados provisórios de 2019 a registarem as 230.000 toneladas.

Esta constatação levou a que muitas individualidades se referissem à TGR de 11€/tonelada em 2020, como uma das causas para esta evolução (ignorando também que, presentemente, a TGR é “cega” ao local de origem do resíduo), embora outras causas possam ser apontadas, tais como as restrições da China à importação de resíduos em 2018.

Perante esta evolução, a secretaria de Estado do Ambiente entendeu estar perante uma pressão súbita sobre a rede de infraestruturas de gestão de resíduos existente, podendo diminuir o seu tempo de vida útil e aumentar o risco de perda da autossuficiência nacional a médio prazo.

A par da incineração, a deposição de resíduos em aterro constitui, no âmbito da hierarquia de gestão de resíduos, uma opção de último recurso. Para além da perda de materiais que ambas as opções implicam, existem potenciais efeitos negativos sobre o ambiente quer à escala local, em especial do risco de poluição das águas superficiais e subterrâneas, do solo e da atmosfera, quer à escala global, em particular o efeito de estufa e os riscos para a saúde humana.

É por isso que, perante as metas emergentes e mais ambiciosas da Comissão Europeia já para os próximos anos, nomeadamente no que diz respeito à prevenção e redução, valorização de resíduos orgânicos e metas de reciclagem, o foco da atuação tem de estar a montante: na empresa e no cidadão. Uma gestão de materiais mais eficiente e eficaz, de maior qualidade, assim o exige e é uma vantagem competitiva para empresas e para os países que, rapidamente, conseguirem-se afirmar com orientações políticas fortes nesta matéria.

Não obstante, existirá sempre uma fração de resíduos que não poderá ser valorizada, e é por isso que a União Europeia colocou uma meta de deposição direta em aterro inferior a 10% em 2035 (e não zero aterro). Por isso, é importante garantir uma boa gestão das infraestruturas de resíduos, incluindo os aterros.

O primeiro passo, inédito até hoje, dado pelo atual Governo foi feito com vista a diminuir as entradas de resíduos provenientes do exterior, através da publicação do Despacho n.º 28/GSEAMB/2020, de 03-01-2020, da Secretária de Estado do Ambiente, já referido. Esta ordem visa limitar a deposição de resíduos em aterros, atentos os princípios da autossuficiência e proximidade em matéria de gestão de resíduos, e aplicou-se a partir de 1 de fevereiro do presente ano a novos pedidos de autorização, razão pela qual ainda se irá assistir ao longo de algum tempo a movimentos de resíduos por autorizações concedidas anteriormente.

Destaca-se que, em apenas uma semana, a publicação do Despacho permitiu já objetar a entrada de 48. 000 toneladas de resíduos provenientes de outros países.

Em simultâneo, será iniciada uma ação nacional concertada e articulada entre as várias entidades com competências de inspeção, fiscalização, licenciamento e monitorização, APA, I.P., IGAMAOT e as cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

Esta ação encontra-se inserida no Plano de Ação de Aterros 2020, iniciativa do Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC) para fazer face às preocupações sobre os aterros, prevendo-se para além da realização de ações de inspeção e fiscalização sobre os alvos prioritários, a decorrer no primeiro semestre do ano, a capacitação das várias entidades bem como o reforço de procedimentos e clarificação legislativa.

A concretização do definido no Plano será objeto de acompanhamento e monitorização do MAAC, prevendo-se a comunicação dos respetivos resultados alcançados nas diferentes fases da atuação prevista.

– Suspensão, sempre que se justificar, da licença relativamente à deposição de resíduos orgânicos;

– Revisão das licenças;

– Encorajar o desenvolvimento de Comissões de Acompanhamento, para melhorar a comunicação entre operador e entidades, comunidade incluído, para avaliar medidas de contenção necessárias e novas, caso se justifique;

– Objeção à entrada de resíduos cujo destino declarado é a valorização, mas que, na realidade, acabam por ser encaminhados para eliminação;

Além destas medidas de caráter urgente, o Ministério determinou, também:

– A revisão da legislação, no sentido de se introduzirem as alterações/correções necessárias para que as situações reportadas não se repitam;

– Avaliação da possibilidade de se prever um regulamento relativo ao odor, dado não existir normas sobre esta matéria;

– Revisão em alta dos valores da Taxa de Gestão de Resíduos, por forma a desincentivar o encaminhamento de resíduos nacionais e de outros países para aterro, complementado com uma revisão das taxas de apreciação dos procedimentos de notificação de transferência de resíduos, para importação ou exportação. Esta revisão, e outras alterações, estão previstas no âmbito da revisão do Regime Geral de Gestão de Resíduos e o Regime de Aterro, que irá decorrer durante abril e maio.

Sobre este último ponto, com a aprovação do Orçamento de Estado 2020 a TGR irá subir para 22€/tonelada já no verão. Não obstante, a TGR para 2021 e anos seguintes será estabelecida ainda este ano, tal como referido.

A complementar todo este trabalho estarão em curso a elaboração do Plano Nacional de Gestão de Resíduos e Plano Estratégico de Resíduos Urbanos para 2030, o planeamento da nova fase do Plano de Ação para a Economia Circular e as orientações para a gestão de biorresíduos provenientes dos resíduos urbanos, e que levou a secretária de Estado do Ambiente a uma série de reuniões, de norte a sul do país, com municípios, comunidades intermunicipais e sistemas de gestão de resíduos urbanos entre dezembro 2019 e janeiro 2020.