Regadio em Portugal: Eficiência, Sustentabilidade e Resiliência Hídrica

Por José Núncio, Presidente da FENAREG

A água é um recurso essencial e estratégico, central para a segurança alimentar, para a coesão territorial e para a adaptação às alterações climáticas. Face aos cenários das alterações climáticas, com fenómenos extremos mais intensos e recorrentes, o regadio em Portugal enfrenta desafios estruturais que exigem respostas urgentes e coordenadas. Os recentes dados do INE (2023) revelam quer avanços significativos, quer fragilidades persistentes. A FENAREG – Federação Nacional dos Regantes de Portugal, tem assumido um papel ativo na defesa de soluções concretas e sustentáveis, alertando desde 2019 para a urgência de uma Estratégia Nacional para o Regadio.

Segundo o INE, a área equipada para regadio em Portugal aumentou na última década, graças aos investimentos em modernização e reabilitação efetuados sobretudo pelo setor, atingindo em 2023 os 633,1 mil hectares. No entanto, esta área representa apenas 17% da superfície agrícola utilizada (SAU), o que significa 83% de áreas de sequeiro — uma realidade que expõe vulnerabilidades, sobretudo face a períodos de seca e consequente abandono de explorações agrícolas de menor dimensão.

Desses 633,1 mil hectares cobertos por sistremas de regadio, 91,2% foram efetivamente regados, revelando a importância da infraestrutura disponível. A dotação média em 2023 foi de 5.218 m³ por hectare, com um total de 3 mil milhões de m³ de água utilizados para rega — 56,9% dos quais foram aplicados na rega de culturas temporárias, que representam 41,7% da área regada total.

A FENAREG tem sido clara: é imperativo investir de forma estratégica e planeada na modernização das infraestruturas de regadio. Atualmente, cerca de 43,6% das explorações agrícolas utilizam sistemas de rega e 5 em cada 6 dos sistemas de rega são muito eficientes. O progresso tecnológico é evidente, enquanto em 1999 apenas 22% da área regada, utilizava métodos considerados eficientes, atualmente 84% da área regada utiliza métodos modernos (aspersão e localizada), muito mais eficientes do que a tradicional rega por gravidade que ainda representa metade do volume total de água de rega, e representa 15% da área regada no nosso país. A eficiência dos sistemas de rega, aumentou 18 pontos percentuais entre 1999 e 2023. Esta evolução, tem sido, efetivamente, marcada pela contínua modernização das infraestruturas e pela adoção de tecnologias cada vez mais inovadoras que potenciam eficiências e promovem maior sustentabilidade.

Apesar destes progressos, os desafios continuam evidentes. Muitas das infraestruturas de regadio público em Portugal, que transportam e distribuem água até às explorações agrícolas, têm mais de quatro décadas de existência e estão a operar com níveis de perdas de água que podem atingir 40%, algo absolutamente inadmissível se tivermos em conta que os atuais sistemas de rega modernos reduzem as perdas para valores próximos dos 10%. É por isso, urgente modernizar e reabilitar os nossos atuais sistemas, tendo igualmente presente que a solução deste problema não pode passar apenas por renovar o que existe, é igualmente essencial aumentar a capacidade de reserva estratégica de água e construir uma rede hídrica nacional interligada, que garanta o fornecimento de água a todos os usos— incluindo a agricultura.

A FENAREG tem defendido, com base em conhecimento técnico e científico, a solução de construção de novas infraestruturas de armazenamento, como as barragens do Alvito (no rio Ocreza), do Pisão-Crato (na bacia do Tejo), da Foupana e de Alportel (no Algarve) — estas últimas cruciais para aliviar a sobrecarga nos aquíferos, e também de Girabolhos (no Mondego). Defendemos ainda o alteamento de barragens em zonas com elevada afluência hídrica, como Lucefecit, Idanha, Montargil ou Maranhão.

Para alcançar a resiliência hídrica até 2030, a FENAREG estima ser necessário um investimento superior a 2 mil milhões de euros — valor significativamente superior ao atualmente previsto no orçamento público e que exige mobilização de outras fontes de financiamento, como o PRR, FEADER, BEI, FEDER e o Fundo Ambiental, como consta no estudo da FENAREG, de Orientação para o Financiamento do Regadio Público em Portugal, atualizado em novembro de 2024.

A Estratégia Nacional “Água que Une”, recentemente em consulta pública, representa um passo importante. A FENAREG defende que deve ser implementada com ações claras, cronogramas realistas e mecanismos de monitorização eficazes. A estabilidade governativa e a articulação entre os vários ministérios são fundamentais para assegurar políticas públicas duradouras e eficazes para a implementação desta Estratégia.

Consideramos que a gestão da água deve ter um planeamento global, sustentável e nacional. Aumentar a capacidade de armazenamento, modernizar as infraestruturas de rega existentes e garantir a distribuição eficiente da água, são passos essenciais para Portugal poder enfrentar quer os desafios da escassez quer as situações de cheias que fazem parte da nossa realidade.

Caso não sejam implementadas soluções adequadas para garantir a capacidade de armazenamento de água e a distribuição eficiente de água as consequências podem ser extremamente graves, com impactos diretos na agricultura, na economia, no aumento da dependência do exterior e na sustentabilidade ambiental e social do país.

*Este artigo foi publicado na edição 111 da Ambiente Magazine