Relatório mostra que UE tem possibilidade de atingir a neutralidade climática uma década antes do planeado 

Se as políticas climáticas europeias seguirem um dos vários possíveis cenários compatíveis com um aumento de temperatura de 1,5°C, a União Europa (UE) pode atingir a neutralidade climática até 2040, uma década antes do que está nos seus planos climáticos. A conclusão é um novo relatório – “Cenários de 1,5°C para a UE27: acelerar a ação climática para cumprir o Acordo de Paris” da Climate Analytics, elaborado em parceria com a CAN Europe e AirClim.

Ainda assim, apesar do recente plano REPowerEU, os resultados do relatório, partilhados pela Associação ZERO, mostram que a “UE ainda não está alinhada com o nível de ambição necessário para cumprir o Acordo de Paris”. Segundo os recentes relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climática, a janela para os 1,5°C ainda está aberta, mas está a fechar-se rapidamente, pelo que é necessária ação climática urgente.

De acordo com a ZERO, este relatório mostra que, para limitar o aumento de temperatura média em 1,5°C, a UE deveria ter como meta a redução das suas emissões líquidas entre 66% e 77% (isto é, incluindo emissões do Uso do Solo, Alterações do Uso do Solo e Florestas) até 2030, relativamente aos níveis de 1990, em vez dos atuais 55%. Isto, “confirma a necessidade urgente de reduções muito mais elevadas na UE para limitar o aquecimento global e as suas consequências”, alerta a Associação, constatando que: “Como economia rica e como um dos maiores emissores históricos, só uma redução de emissões de tal ordem representa uma contribuição justa da UE para cumprir o Acordo de Paris”.

O relatório, de acordo com a ZERO, demonstra que esta ambição mais elevada é “técnica e economicamente possível se a UE aumentar rapidamente a energia renovável nas próximas décadas”, com a “eólica e a solar como pilares da transição energética”. Nos cenários analisados no relatório, a UE27 alcança cerca de 100% de produção de eletricidade renovável até 2035. “A transição para um sistema energético mais eletrificado e eficiente, em conjunto com alterações comportamentais na sociedade, conduz a grandes reduções no consumo de energia final”, indica a ZERO, reforçando que “isto permite a rápida eliminação dos combustíveis fósseis do sistema energético, com as renováveis a fornecer entre 48% a 54% da procura de energia final até 2030, e entre 92% a 100% da procura de energia final até 2050”.

No caso de Portugal, tal como já tinha mostrado um anterior relatório da Climate Analytics, seria necessário “garantir uma redução de emissões de pelo menos 61% até 2030 relativamente aos níveis de 2005, em vez dos atuais 55% na Lei de bases do Clima, para alinhar o país com a meta de1,5°C”.

Os elementos-chave para o alinhamento com cenários compatíveis com 1,5°C seriam: “Rápida eletrificação dos processos industriais, de aquecimento (bombas de calor) e dos transportes (veículos elétricos), baseada num rápido aumento da capacidade solar fotovoltaica e eólica, e atingindo um sistema energético completamente renovável até 2040”; a “Introdução de hidrogénio verde para descarbonizar setores de difícil redução de emissões tais como o transporte a longas distâncias, aéreo e marítimo”; ou “Aumentar medidas de eficiência energética e poupança de energia para reduzir a procura de energia final até 50% em 2050 (e até 65% da procura de energia final em edifícios até 2040)”.

Para além disso, o relatório mostra que o “desenvolvimento de infraestruturas de interligações elétricas adicionais na Europa contribui para um sistema energético climaticamente neutro a custos substancialmente mais baixos”. De facto, “a maioria destes benefícios podem ser alcançados com apenas cerca de 25% mais capacidade de transmissão da capacidade atual instalada”, indica a análise.

Uma janela de oportunidade

Todos os cenários compatíveis com 1,5°C foram desenvolvidos previamente à invasão da Ucrânia pela Rússia e à atual crise energética, que pressionou a Europa para considerar novas maneiras de produzir energia de modo sustentável sem a dependência de fornecedores externos. No contexto atual, as energias renováveis são ainda mais “custo-eficazes” do que nos cenários analisados, e a lógica para o seu rápido desenvolvimento é ainda mais forte, refere o estudo.

“A UE tem a ganhar em aumentar as suas metas climáticas antes da COP27, tal como disse que iria fazer no ano passado em Glasgow. Com o novo plano ‘REPowerEU’, parece que as reduções de emissões da UE vão ultrapassar a meta atual de 55%, e sugerem que se poderiam facilmente alcançar maiores reduções até 2030 – é apenas uma questão de quanto. Mas mesmo com o ‘REPowerEU’ a UE ainda fica aquém do intervalo de reduções necessário para ser compatível com 1,5°C. O nosso trabalho mostra que aumentar consideravelmente a meta da UE, tornando-a compatível com 1,5°C – não é apenas tecnicamente possível, mas é também custo eficaz, e iria mostrar internacionalmente que a UE está a tomar a liderança da ação climática”, declara Ryan Wilson, analista de políticas de Clima e Energia na Climate Analytics, e autor do relatório.

Já Bárbara Maurício, analista de políticas de Clima e Energia na ZERO, reforça que “a  nível global ainda estamos numa trajetória de aumento de 2,7°C, segundo o último relatório “Emissions Gap Report 2021” das Nações Unidas. Sabemos que temos pouco tempo para mudar esta trajetória e estamos já a assistir às consequências das alterações climáticas para percebermos claramente o quão urgente é evitar um aquecimento acima de 1,5°C, e evitar consequências mais severas. Toda a redução de emissões conta, e a Europa deveria dar o exemplo e reduzir o máximo possível as suas emissões”. Este relatório mostra que “é possível ainda para a Europa atingir a meta dos 1,5°C, e vem reforçar o nível de ambição climática que as ONG Europeias têm defendido para a UE e que a ZERO tem defendido para Portugal”, conclui.