Será o PRR suficiente para os desafios da descarbonização dos edifícios?

Mobilidade elétrica, redes elétricas inteligentes, produção e distribuição local e edifícios descarbonizados são realidades com as quais a sociedade já vai convivendo. As oportunidades são muitas, mas como é que se devem aproveitar bem as oportunidades de apoios e incentivos para fazer face aos desafios que o país ainda tem pela frente?  Esta pergunta foi feita no painel – “A descarbonização dos edifícios – O desafio de futuro!” – da VII Semana da Reabilitação Urbana (RU) de Lisboa, que começou no dia 11 de abri e termina esta quinta-feira.

Questionado sobre o facto do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) reunir as “condições necessárias” para alavancar a neutralidade carbónica dos edifícios, Francisco Hamilton Pereira, associate partner da EY Portugal, constata que a “bazuca” é limitada, relativamente à eficiência energética dos edifícios: “No valor final de 14 mil milhões de euros, sobrou para um dos principais fatores de descarbonização pouco menos de 5%; e os 610 milhões de euros, nem sequer 5% representam do total”. Mesmo não deixando de ser um “apoio” para o país recuperar da crise provocada pela pandemia, a “verba” alocada ao princípio da eficiência energética ficou “aquém” das expectativas: “Os promotores têm de estar preparados para concursos muito competitivos geridos pelo Fundo Ambiental”. Debruçando-se sobre a distribuição destes 610 milhões, Hamilton Pereira  afirma que a maior fatia destina-se a “edifícios residenciais”; para edifícios do Estado e instituições de ensino, estão destinados 210 milhões; para edifícios de serviços, apenas existe uma componente de 70 milhões. Os edifícios industriais não estão sequer contemplados. O gestor prevê assim que o dinheiro não vá chegar para ser a “solução para os problemas do país”, sendo apenas um estímulo:“Os promotores devem pensar que vão ter uma componente forte de investimento superior e que a bazuca não vai ser a solução”.

José Sá Carneiro, responsável no Centro de Competências Reabilitar + Schmitt+Sohn Elevadores, também parece disccordar com o valor do PRR alocado à eficiência energética dos edifícios: “É uma bisnaga no desafio” que Portugal defronta. Ainda assim, quando se fala em “reabilitação”, o potencial é enorme: “Se tivermos em consideração que 50% dos elevadores em Portugal têm mais de 20 anos e com eficiências muito baixas, temos aqui um potencial de melhoria enorme”. Por isso, “olho a perspetiva de onde estamos a partir como uma oportunidade”, diz, destacando que, “com pequenas ações, conseguimos, de facto, recuperar ganhos na eficiência energética dos edifícios” mas “também na produção”. Nestas matérias, têm sido dados grandes passos, introduzindo as “melhores tecnologias disponíveis para produzir o produto” e reduzindo as “cadeias logísticas de abastecimento”, além de estar em curso a revisão da frota, transitando de combustíveis fósseis para uma frota totalmente elétrica. O gestor vai mais longe nesta questão e diz mesmo que um produto pode ser pode ser um “produtor de energia” dentro do edifício: “Por via da tecnologia atual, em vez de dissipar a energia que é gerada no momento da travagem, um elevador consegue pegar nessa energia e injetar no edifício”, exemplifica.

[blockquote style=”2″]Somos os primeiros a aderir, mas o que é difícil é concretizar[/blockquote]

Para Manuel Pinheiro, presidente do CERIS (Civil Engineering Research and Innovation for Sustainability), a diferença entre um “edifício novo” e “reabilitar um edifício” assenta numa reorientação na forma como os edifícios são construídos, isto é, a sua “base”. Por outro lado, um dos desafios da reabilitação assenta nos problemas que se vão descobrindo ao longo do tempo, fazendo com “o orçamento vá sendo mais ou menos expansivo”. Daí que Manuel Pinheiro defenda a necessidade de ajustes caso a caso: “A reabilitação de uma casa no Algarve ou na ribeira, no Porto, é totalmente diferente, assim como os materiais e as soluções”. Ainda assim, o país regista grandes avanços: “Temos tecnologia e soluções, mas temos que investir em termos de normalização”, defende.

Apesar de Portugal ter sido o primeiro país da Europa a assumir a meta da neutralidade até 2050, Cristina Cardoso, vice-presidente do Colégio de Engenharia Civil, quis deixar um alerta: “Somos os primeiros a aderir, mas o que é difícil é concretizar”. Relativamente à promoção e construção, o “investimento” é um problema real: “Partindo do pressuposto que “somos inteligentes” e que quando “fazemos qualquer coisa, queremos fazer bem”, a “capacitação”, de “técnicos”, “promotores” e “empresas de construção”, no sentido de perceberem “aquilo que é importante” e o que considerar quando apostam num “investimento no âmbito da reabilitação”, afigura-se “importante”. Olhando para o PRR, Cristina Cardoso destaca as “verbas” destinadas para a habitação: “Na área dos edifícios e da eficiência energética, são 610 milhões de euros que podem servir para financiamento”, sustenta a engenheira, que devem ser aproveitados “para alocar e conseguir que, efetivamente, fazer uma reabilitação sustentável”.

Passando para uma vertente “macro” dos edifícios, João Sousa, presidente do Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros Técnicos, diz que a eficiência dos sistemas reveste-se de uma “preocupação muito grande” nos edifícios: “Temos de começar por partes”. E isto exige “trabalhar bem a envolvente”, ou seja, “cuidar melhor dos edifícios no seu contexto”, perceber “quais são as melhores atuações do ponto de vista da sua envolvente passiva” e “qual é o potencial renovável do local”. Depois dessa avaliação, é fundamental integrar esses sistemas” macro com os “sistemas mecânicos”: “Aí sim, conseguimos ter edifícios mais sustentáveis, com uma pegada muito mais baixa”. Nestas matérias, não há, na verdade, o reverso da medalha: “Nós temos os equipamentos a consumir eletricidade, mas a eletricidade tem aqui alguma pegada de carbono e essa pegada tem influência na qualidade do ar exterior dos edifícios que, por sua vez, tem influência na qualidade interior do edifício”.

[blockquote style=”2″]Vão surgir alternativas economicamente mais sustentáveis[/blockquote]

Os desafios ambientais que hoje o planeta enfrenta são já transversais a todas as áreas. No caso da mobilidade, as marcas não podem olhar só para as vendas dos automóveis: “Passaram a ser muito mais do que fabricantes de automóveis para serem prestadoras de serviços de soluções de mobilidade”, reconhece Sílvia Amaral, diretora de projeto da mobilidade elétrica da Nissan. Os custos associados à mobilidade elétrica e à infraestrutura envolvente são, ainda, um entrave. “Mas, se os edifícios se tornarem mais sustentáveis, a infraestrutura para os carregadores não parece que vá ser tão significativa em termos de custo total”, exemplifica.

As baterias e os custos associados são também um desafio para todas as marcas: “A verdade é que também as componentes que fazem parte das baterias estão a evoluir e há cada vez mais soluções e alternativas”. Também aqui o otimismo é uma garantia: “Vão surgir alternativas economicamente mais sustentáveis”. Aliás, o veículo elétrico vai tornar-se o mais convencional. Isto só é possível havendo uma série de fatores a realizarem-se”, como a maior disponibilização de materiais constituintes de baterias por um custo menor. Relativamente a Portugal, Sílvia Amaral refere que se trata de um país que é conhecido por fazer uma adoção muito rápida em tudo aquilo que é inovação e novas tecnologias: “O veículo elétrico não fica atrás”, afinca.