Setor eólico: Os desafios e as oportunidades no combate à crise que se avizinha

Entre 2008 e 2012, viveram-se anos de crise financeira e das dívidas soberanas, obrigando à paragem dos investimentos no setor eólico no país. Foram vários os projetos que ficaram pendentes. Hoje, Portugal está perante uma crise sem precedentes. E a isto acresce a dependência do país às metas de descarbonização e da neutralidade climática. A questão que se coloca é “O que é que é necessário fazer para que não haja uma paragem no setor eólico em linha com o que é pedido nas metas do PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima) 2030?”

A pergunta foi de Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) num evento realizado pela associação, em conjunto com a Wind Energy and Biodiversity Summit (WIBIS).

Comparativamente à crise de 2008, Duarte Bello, diretor de operações da EDP Renováveis, atenta que, atualmente, há um elemento totalmente diferente: “Hoje, as renováveis têm um custo menos elevado do que as restantes tecnologias”. Na primeira fase de crescimento das renováveis, lembra o responsável, havia um “custo vs. as energias fósseis e outras alternativas” e, neste momento, as renováveis são a “solução para o problema” e a eólica em muitos casos é a “mais competitiva” para se poder implementar: “O leilão solar, realizado no ano passado, permitiu uma poupança de cerca de 600 milhões de euros em 15 anos para o sistema e, portanto, com a maior introdução de energias renováveis, teremos maiores poupanças para o sistema”.

Tendo em conta o contexto da Covid-19, Duarte Bello não tem dúvidas de que as renováveis são claramente “parte da solução” para a reativação da economia: “Tem todos os planos e é um elemento fundamental para o plano de recuperação da União Europeia e isso será uma realidade em todos os países da Europa. E, em Portugal, a eólica também fará parte dessa solução”. Contudo, ainda falta uma maior visibilidade na eólica: “Não existem concursos expectáveis para a Europa e acho que há outras áreas que, quer do ponto de vista regulamentar, quer do ponto de adminstrativo, ainda não depende a flexibilidade e agilidade necessárias para simplificação de processos que são críticos para o desenvolvimento das eólicas”, reitera.

[blockquote style=”2″]Existe capacidade de dar resposta àquilo que é a necessidade de reformulação dos parques que já existem[/blockquote]

Para José Grácio, presidente do Conselho de Administração da TrustWind, são vários os fatores que levam a crer que existem condições para alcançar as metas a que Portugal se comprometeu: “Estamos a falar de um setor (eólico) que cresceu muito nos últimos 15 anos”. Foi feita uma “evolução notável” em termos de “paradigmas energéticos”, nomeadamente, a mudança de uma realidade “centralizada para descentralizada”, refere, acrescentando que, quem fez tal percurso foi o setor eólico que levou a que todas estruturas se adaptassem desde a rede aos licenciamentos. E no fim destes anos, diz o responsável, o setor está “mais maduro” e tem “conhecimento profundo” daquilo que é necessário para tornar as próximas fases num sucesso. Do ponto de vista de José Grácio, existe capacidade para “aumentar a capacidade instalada” ou “dar resposta àquilo que é a necessidade de reformulação dos parques que já existem”. A isto, junta-se uma “conjuntura que parece ser favorável”, nomeadamente, em termos de “interesse” e “investimento” no mercado: “Este é o momento certo não só pelo PNEC mas, também, aproveitar este setor em que se investe agora e que depois conseguimos usufruir durante várias décadas e, dada a crise, existem condições para investir”, precisa. No entanto, há um desafio para as estruturas que existem, nomeadamente em termos de licenciamento: “Se o objetivo é que haja um grande incremento em termos de produção, é necessário que essas mesmas estruturas se adaptem para que não sejam elas uma dificuldade na rápida progressão”. Nesta altura, 9as mesmas estruturas têm que dar resposta àquilo que é o desenvolvimento do setor eólico e do fotovoltaico: “Penso que vamos pôr algum stress dessas mesas”, sendo que, fazia sentido também elas se adaptarem.

[blockquote style=”2″]Temos é que arranjar uma regulamentarização que nos permita ter os projetos bancáveis[/blockquote]

Rui Neves, diretor de operações da Finerge, considera que a crise de 2008 está ainda bem presente, antevendo que a situação atual não será de fácil resolução. O responsável acredita que a gravidade da situação se centre nos “fundos”, como a “recessão do consumo” e, ao mesmo tempo, o “arrefecimento do mercado”. No quadro do setor eólico, da mesma forma que houve disponibilidade durante a crise de 2008 para se continuar a investir, haverá disponibilidade dos investidores para o fazer: “Temos é que arranjar uma regulamentarização que nos permita ter os projetos bancáveis”, refere. E uma preocupação que tem sido diária é a “pouca adaptação” das “estruturas públicas de licenciamento” em que, realmente, se continua com “respostas tardias e demoradas” que “penalizam o desenvolvimento dos projetos”, atenta.

[blockquote style=”2″]Sistemático desrespeito pelos prazos que a própria lei consagra[/blockquote]

Para Álvaro Brandão Pinto, CEO da Generg, quando há uma crise económica, há uma série de fatores que são afetados, desde logo o consumo de energia, em particular, a eletricidade e, ainda, os níveis de investimento que desaceleram normalmente em qualquer setor da atividade económica. Atendendo ao cenário para o futuro, o responsável não tem muitas dúvidas de que a crise está mais do que assegurada: “Já podemos contar com ela e com os efeitos negativos que as crises têm em determinados parâmetros da atividade global e que afetam o tema da energia e da produção de eletricidade”. Tendo em conta o PNCE e os objetivos ambiciosos no que à nova potência da renovável diz respeito, o CEO da Generg atenta na necessidade de não ficarem esquecidos os “impactos negativos” que a situação da crise vai trazer no futuro próximo. E, para isso, é preciso “consolidar uma tendência” que permita “aumentar o consumo de energia elétrica”, isto é, “uma forma de criar condições” para que esse consumo de energia elétrica ocorra como, por exemplo, através da “eletrificação de vários setores da atividade económica” e que, até agora, “não têm estado a utilizar essa forma de energia” de forma significativa: “Temos alguns exemplos como a mobilidade elétrica mas podemos ter outros como os edifícios ou a utilização de calor em alguns processos industriais”, refere. Depois, é também necessário ter um “enquadramento claro para os novos projetos de investimento” neste setor eólico e esse enquadramento deve permitir que os projetos tenham uma “estabilidade e uma rentabilidade” adequada: “Devemos prosseguir, de forma rigorosa, uma política de descarbonização da produção de eletricidade e, nesse sentido, devemos aproveitar todas as oportunidade para desativar centrais que vão contra este objetivo”. A questão ligada aos licenciamentos já não é nova e os “defeitos” são bem conhecidos. E o problema, de acordo com o responsável, tem que ver com a “enorme ineficiência dos serviços” que apreciam esses processos e do “sistemático desrespeito pelos prazos que a própria lei consagra” mas que “estes serviços até conseguem alargar”, colocando “questões de última hora” só para “prolongar o prazo da decisão”. Também a “história do ordenamento do território” é um problema: “Devia ser fundamental incorporar uma valorização específica da componente energética avaliando-a sempre de uma forma positiva, nomeadamente, quando está em causa a utilização de recursos endógenos”. Por fim, estão as “medidas de mitigação” que devem ser “claras”, bem como “as linhas mestras” da sua aplicação que devem ser “conhecidas” atempadamente até para fugir ao “risco de algumas decisões” que são “complicadas de implementar, senão mesmo impossíveis”, diz.

Sob o mote “Redesigning wind energy for the next era” o evento da APREN e da WIBIS decorreu nos dias 27 e 28 de janeiro e teve como objetivo abordar os vetores de desenvolvimento do setor eólico que melhor contribuem para os objetivos e metas nacionais de 2030.