O setor dos resíduos em Portugal é muito ativo na procura de soluções para uma gestão mais eficiente e a tecnologia surge como uma forte aliada nesta missão. Ambiente Magazine falou com a SUMA, que se dedica à gestão global do ciclo de vida dos resíduos; com o Centro para a Valorização de Resíduos (CVR), que apoia a indústria e os municípios na prestação de serviços de investigação e aplicação de soluções na área da valorização de resíduos; e com a TEIMAS, empresa de software especializada na digitalização da cadeia de valor dos resíduos para percebermos em que áreas está efetivamente a tecnologia a ser utilizada na gestão dos resíduos em Portugal e em que áreas é urgente acelerar a sua introdução.
Alemanha, Suécia, Países Baixos e Japão são alguns dos países com melhores práticas na gestão de resíduos. No caso alemão, o país investe fortemente em tecnologias de reciclagem e valorização energética e a Suécia recorre a tecnologias avançadas de incineração com recuperação de energia e sistemas de recolha seletiva altamente eficazes. Já nos Países Baixos destacam-se inovações como a separação avançada de resíduos e o uso de biotecnologia para converter resíduos orgânicos em bioplásticos e bioquímicos, e o Japão utiliza tecnologias avançadas de triagem e reciclagem, promovendo a responsabilidade do produtor e garantindo que os produtos sejam desenhados para facilitar a reciclagem. Tendências e práticas exemplares que demonstram “o potencial transformador da tecnologia na gestão de resíduos, promovendo sustentabilidade e eficiência”, diz-nos Jorge Araújo, diretor executivo executivo do CVR – Centro para a Valorização de Resíduos.
Em Portugal, o responsável admite serem já várias as áreas em que se recorre à tecnologia de uma forma consolidada, nomeadamente na triagem e reciclagem, havendo fileiras que já implementaram soluções inovadoras, como ecopontos inteligentes que utilizam tecnologias de gamificação para incentivar a reciclagem e sistemas de rotulagem avançada para melhorar a separação de resíduos. E adianta que, recentemente, tem havido um aumento da utilização de sistemas de identificação por radiofrequência (RFID) e sensores para monitorar e otimizar a gestão de resíduos em tempo real, tecnologias que “permitem uma melhor rastreabilidade e eficiência”.
No que diz respeito à valorização energética através da incineração de resíduos para produção de energia elétrica e térmica também ela está consolidada, “e só se faz recorrendo a muita tecnologia”, indica. Há mais investimento em tecnologias de conversão de resíduos em energia (WtE), especialmente no tratamento de biorresíduos para produção de biogás, uma solução vista como “promissora para reduzir o volume de resíduos enviados para aterro e para contribuir para a geração de energia na forma de gases renováveis”. Para Jorge Araújo, aqui é urgente ” acelerar o desenvolvimento e implementação de infraestruturas de valorização energética para a fração resto dos resíduos urbanos, particularmente na região interior norte e região centro do país, para cumprir as metas de redução de resíduos em aterro”.
Por outro lado, diz o responsável da CVR, a utilização de plataformas digitais para a gestão integrada de resíduos está bem estabelecida, tendo havido investimentos em tecnologias de Internet das Coisas (IoT) e Big Data para a monitorização em tempo real dos fluxos de resíduos. ” Estas tecnologias são essenciais para a tomada de decisões informadas e para a melhoria contínua dos processos de gestão de resíduos”, lembra.
Finalmente, na área da recolha e transporte de resíduos, Jorge Araújo não tem dúvida de que os sistemas de recolha seletiva estão amplamente implementados mas “há sempre espaço para melhorias tecnológicas”.
O diretor executivo da CVR defende que ainda há áreas em que a introdução da tecnologia deve ser acelerada, como é o caso do tratamento descentralizado de resíduos. “É urgente desenvolver infraestruturas locais e descentralizadas para o tratamento de resíduos, de modo a reduzir a pressão sobre os aterros e incineradoras e aumentar a eficiência do tratamento dos resíduos recolhidos”, esclarece. Por sua vez acredita que também a implementação de sistemas eficazes para a recolha seletiva de biorresíduos deve ser acelerada, uma prática que “reduz a quantidade de resíduos enviados para aterro” mas também “aumenta a eficiência dos processos de valorização energética além de permitir o cumprimento dos indicadores europeus nesta matéria”.
Falámos também com Manuel Costa, presidente do conselho de administração da SUMA, que não tem dúvidas de que o setor da gestão de resíduos em Portugal “é muito ativo na procura de soluções” seja na recolha dos vários fluxos, ou no seu tratamento, com recurso à utilização de tecnologia avançada em processos do dia-a-dia. Exemplos disso são a gestão otimizada das frotas; os veículos inteligentes com fatores de segurança humana muito desenvolvidos e combustíveis inovadores; contentores com sensores que determinam capacidade, volume e tipologia de resíduos; aplicações que atribuem benefícios ao cidadão pelo bom comportamento ambiental, com métricas personalizadas, entre outros exemplos que já se implementam em Portugal, como os drones que monitorizam a segurança e outros parâmetros de qualidade nos aterros sanitários ou as triagens robotizadas que aumentam a eficiência e a capacidade de separação de embalagens. Admitindo pois que “os desenvolvimentos tecnológicos são rápidos e o mercado responde positivamente aos desafios”, Manuel Costa lembra que há que capacitar as pessoas para acompanhar este processo, sendo pois urgente requalificar as pessoas para novos trabalhos e oportunidades que a tecnologia vem possibilitar.
Software da TEIMAS quer apoiar empresas na digitalização
Mas há desafios que se colocam ao desenvolvimento da tecnologia na gestão de resíduos e Cristina Vázquez, CEO da TEIMAS, aponta a evolução da regulamentação como um dos principais. E lembra que, nos últimos anos, surgiram inúmeros regulamentos, planos e diretivas a nível europeu, mas também especificamente em Portugal, dando como exemplos o Pacto Ecológico, o Plano de Ação para a Economia Circular, a Diretiva relativa aos relatórios de sustentabilidade das empresas, a alteração da Diretiva-Quadro dos Resíduos ou o novo Regulamento de Transferência de Resíduos. Além disso, as empresas enfrentam ainda o desafio das diferentes velocidades de adaptação e, até, das diferentes interpretações da norma, em diferentes geografias. O que significa, refere a responsável, que “as empresas que operam em diferentes áreas do mundo terão de se adaptar a diferentes normas em momentos diferentes, e terão de recolher e enviar informações diferentes a diferentes autoridades, a fim de cumprir a norma”.
Para que as empresas possam enfrentar estes desafios, a TEIMAS está empenhada na digitalização e, através de software especializado, quer ajudar as empresas a monitorizarem, otimizarem recursos e gerirem de forma eficiente. São já várias refinarias e fábricas de produtos químicos, por exemplo, a utilizarem o software Zero para controlar os resíduos gerados nas diferentes partes das suas macro-instalações, adianta Cristina Vázquez. A gestora garante que alguns dos benefícios que estas empresas obtiveram com a digitalização da cadeia de valor dos resíduos passam pela rastreabilidade do que acontece aos seus resíduos dentro e fora das suas instalações, controlo da quantidade, comunicação automatizada da documentação de transferência de resíduos com as plataformas digitais das autoridades em diferentes ambientes geográficos, geração de relatórios regulamentares e internos para a tomada de decisões e monitorização dos planos de sustentabilidade da empresa. Além disso, acrescenta, “o facto de disporem de informação exata e digitalizada permitiu-lhes dispor de dashboards globais; e o facto de disporem de uma ferramenta digital sempre atualizada dá-lhes segurança no cumprimento das regulamentações em diferentes áreas geográficas”.
BBTWINS otimiza processos na cadeia de valor agroalimentar
Também a pensar nos desafios que se colocam, a CVR integrou o consórcio BBTWINS, em conjunto com outros 12 parceiros de sete países, visando desenvolver uma plataforma digital avançada para otimizar processos na cadeia de valor agroalimentar, além de fornecer biomassa de alta qualidade para bioprocessamento. Jorge Araújo explica que através da tecnologia de “gémeos digitais”, a plataforma criará uma réplica digital em tempo real dos processos físicos da indústria agroalimentar, integrando Inteligência Artificial (IA), Machine Learning, IoT e software analítico. “O objetivo é definir o caminho ideal para cada matéria-prima, maximizando a eficiência e minimizando perdas, sem comprometer a qualidade”, frisa o responsável. Dois anos depois, a equipa do CVR já conseguiu converter resíduos como chorume, ossos e pelos de porco em produtos úteis: queratina para a indústria cosmética, hidroxiapatita para a saúde oral e biogás para ser utilizado como combustível no próprio processo, promovendo a bioeconomia circular. E adianta: “Um dos resultados mais esperados da tecnologia BBTWINS é a redução significativa nos custos de matéria-prima e transporte, estimada em até 25%.
Mas Jorge Araújo não deixa de apontar alguns desafios ao desenvolvimento da tecnologia para a gestão de resíduos, referindo-se ao facto de a implementação de novas tecnologias exigir inovação e investigação aplicada significativa e, muitas vezes, os fundos disponíveis são limitados e a rentabilidade dos projetos pode ser uma preocupação. Neste caso, sugere que se aproveitem programas de financiamento europeu e nacionais, como o Horizonte Europa e o Portugal 2030, que aloca, verbas para a área dos resíduos e da economia circular. Além disso, recorda, a devolução da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) ao setor pode ser utilizada para reinvestimento em projetos inovadores.
Outro desafio é garantir que os materiais reciclados atendam aos padrões de qualidade necessários para serem reutilizados em processos industriais, afirma, e isso pode ser ultrapassado com a adoção de tecnologias avançadas de triagem e processamento, e com a colaboração entre empresas e centros de tecnologia e inovação, como o próprio CVR.
Por outro lado, sabe que o processo de regulamentação e licenciamento pode ser complexo e demorado, dificultando a implementação rápida de novas tecnologias, defendendo pois a simplificação dos procedimentos de licenciamento e a criação de um quadro regulatório que apoie a inovação.
Por fim, Jorge Araújo reconhece que a falta de infraestruturas locais e descentralizadas de tratamento de resíduos limita a capacidade de gerir eficazmente os resíduos, no caso específico, os resíduos urbanos. É pois fundamental, diz, investir em infraestruturas descentralizadas e e locais de tratamento de resíduos de forma a reduzir a pressão sobre os aterros e incineradoras, e melhorar a eficiência do processo de gestão de resíduos, uma abordagem necessária para atingir as metas do PERSU 2030.
Desafios ou oportunidades?
Manuel Costa fala em desafios ou oportunidades: “é a forma como encaramos a questão que vai fazer a diferença”. O presidente do conselho de administração da SUMA indica que, a nível técnico, prendem-se com a composição dos resíduos, que são muito variados e provêm de várias fontes, bem como a necessidade de definir padrões e escala que permitam recolher, tratar ou valorizar de uma forma ambientalmente adequada. Já a nível social, realça a necessidade de capacitação das pessoas para trabalharem numa nova realidade, mas também o papel do cidadão, que deve assumir uma função de gestor de recursos e não de produtor de resíduos. Por fim, aponta a questão económica, pois as soluções têm de ser sustentáveis e, em regra, as soluções inovadoras que utilizam mais tecnologia têm um custo inicial mais elevado no início.
Mas a SUMA também tem apostado neste caminho, com a implementação total das rotas de recolha de resíduos dinâmicas, utilizadas em toda a frota de recolha e limpeza, que permitem otimizar os tempos de recolha, consumo de combustível, gestão de equipas e garantir uma maior eficiência de toda a organização.
O que podemos esperar nos próximos anos?
Sendo uma forte aliada na gestão de resíduos, o que podemos então esperar na evolução tecnológica nesta área? Para a CEO da TEIMAS, o setor investe cada vez mais para poder recuperar os materiais de forma adequada e rentável. Em termos de tratamento, destaque pois para tecnologias de separação ótica, que se baseiam na IA, ou para a reciclagem química, que oferece mecanismos de decomposição dos plásticos e outros materiais no seus componentes químicos básicos. “Tanto uma boa separação, como técnicas melhoradas de recuperação de materiais são essenciais para o progresso da reincorporação na cadeia de produção”, frisa Cristina Vázquez.
O diretor executivo da CVR prevê que a digitalização e a automação continuem a transformar a gestão de resíduos, com sistemas baseados na IoT, na IA e na análise de Big Data a serem cada vez mais utilizados para otimizar processos de recolha, triagem e reciclagem. “Estes sistemas permitirão uma monitorização em tempo real dos fluxos de resíduos, melhorando a eficiência operacional e reduzindo custos”, explica Jorge Araújo. Por outro lado, estima que tecnologias avançadas de valorização de resíduos, como a pirólise e a gasificação, vão ganhar importância, permitindo converter resíduos em energia, combustíveis e produtos químicos de alto valor. Já a reciclagem química, que decompõe materiais complexos nas suas moléculas base, será crucial para reciclar plásticos multicamadas e outros materiais difíceis de tratar e o responsável avança que “inovações na gestão de embalagens multicamadas em fim de vida serão ampliadas para aumentar as taxas de reciclagem e a qualidade dos materiais reciclados”. Por fim, Jorge Araújo acredita que a transição para uma economia circular será acelerada, com maior foco na reutilização e remanufactura de produtos: “Empresas e governos investirão mais em tecnologias que permitem a reparação e a remanufactura de produtos, prolongando seu ciclo de vida e reduzindo a necessidade de matérias-primas virgens”, conclui.