Tejo com caudais muito reduzidos leva ZERO a pedir melhor gestão dos rios internacionais

No mês de agosto, de acordo com a associação ambientalista Zero, os caudais no Rio Tejo têm-se mantido muito baixos, com elevadas oscilações ao longo dos dias, com impactes no ecossistema ribeirinho e consequências para a economia local. Os caudais têm cumprido os mínimos estipulados pelos acordos luso-espanhóis, o que vem claramente demonstrar que os acordos vigentes estão mais do que ultrapassados e que novas regras são necessárias, até para incorporar os novos desafios que advêm das alterações climáticas e que apontam para que a Península Ibérica seja uma das zonas mais drasticamente afetadas. No que respeita apenas ao troço em Portugal, verificaram-se nalguns dias caudais abaixo do estipulado.

Espanha cumpre mas está próxima de mínimos nos últimos 15 dias
A análise efetuada pela Zero aos dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) relativamente aos caudais semanais do Tejo medidos como afluentes à Barragem de Fratel, de acordo com o Protocolo de Revisão do Regime de Caudais, em 2008, da Convenção de Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso – Espanholas, mais conhecida por Convenção de Albufeira (1998), mostra valores acima do mínimo estabelecido de 7 hectómetros cúbicos semanais (na semana de 9 a 15 de agosto e na semana de 16 a 22 de agosto, 12,07 e 11,90 hectómetros cúbicos, respetivamente), mas claramente muito baixos.

Verifica-se também uma grande oscilação ao longo dos dias de uma mesma semana, com caudais muitíssimo reduzidos num dia e bastante mais abundantes no dia seguinte, mostrando claramente que a única preocupação é o cumprimento do total semanal estabelecido na Convenção.

A associação salienta que o site da Convenção que deveria, de forma transparente, fornecer esta e toda a outra informação relacionada com os acordos estabelecidos entre os Governos de Portugal e Espanha, não é atualizado há quase três anos.

Os Estados-Membros da União Europeia encontram-se neste momento em fase de preparação da terceira geração de Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH) a vigorar entre 2022 e 2027 e encontra-se previsto na legislação europeia que, no caso de bacias hidrográficas partilhadas, como é o caso de Portugal e Espanha, estes planos sejam elaborados em estreita articulação, sendo até desejável que fossem elaborados PGRH conjuntos.

Neste momento, a Zero recorda que se desconhece qual o ponto de situação relativamente à elaboração dos PGRH em Portugal, após a fase de identificação das Questões Significativas para a Gestão da Água (QSIGA), cuja consulta pública decorreu no terceiro trimestre do ano passado. Também não são conhecidos detalhes de quaisquer negociações com Espanha para revisão dos caudais e estabelecimento de caudais ecológicos nos rios partilhados.

Caudais ecológicos em Belver em incumprimento e com enormes variações
De acordo com o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), entre 1 e 22 de agosto, o caudal efluente médio diário da Barragem de Belver tem sido diminuto, sendo que em 15 dias o caudal médio diário foi inferior a 14 metros cúbicos por segundo (m3/s). Em dois dias (2 e 14 de agosto), não se atingiu o valor acordado com o governo como caudal ecológico de pelo menos 10 m3/s de média diária (9,47 e 9,56 m3/s, respetivamente). Em julho, o sistema de informação reporta dois dias em que o caudal efluente foi zero, não tendo sido possível confirmar se efetivamente houve dois dias com caudal nulo. Ao mesmo tempo, a oscilação de caudais entre diferentes dias é por vezes enorme, situação já denunciada no final de março deste ano pelo Movimento Protejo (de que a ZERO faz parte), com consequências na vegetação ripícola e na reprodução de diversas espécies de peixe. Efetivamente, entre os dias 31 de julho e 1 de agosto verificou-se uma diferença superior a 15 vezes nos caudais médios diários efluentes na Barragem de Belver (entre 197,02 m3/s e 12,96 m3/s, respetivamente) ou entre os dias 6 e 7 de agosto, numa variação superior a seis vezes, entre 84,19 m3/s e 12,69 m3/s, respetivamente. Para a associação, é evidente que esta variação reflete as oscilações de caudal transferido de Espanha e que têm sido função da gestão de produção elétrica pelo país vizinho e não de necessidades ambientais e de uma adequada gestão da água.

Mais barragens não são solução
A intenção de construção de novas barragens para dar resposta a uma situação crónica de escassez de água não é, no entender da ZERO, uma solução viável de médio prazo. O aproveitamento hidráulico de fins múltiplos do Crato (Barragem do Pisão) não pode ser a resposta, atendendo a que o mesmo, para além de apresentar “indicadores fantasiosos” (reserva estratégica de água, 500 postos de trabalho), vai constituir-se como fator de intensificação da agricultura, retirar caudal ao Tejo, gerar ainda mais pressão sobre o recurso água, incentivar a exploração de mão-de-obra com baixos salários e a precariedade, e vai inundar uma localidade com 60 habitantes.

A solução reside a montante, nos caudais afluentes de Espanha, que continuando a ser diminutos, colocam em causa qualquer viabilidade de novas barragens.

Os dados demonstram que o problema não são apenas os caudais estipulados na Convenção de Albufeira, uma vez que os caudais semanais (7 hm3 /semana) são diminutos mas representam apenas 13% daquilo que é o caudal anual estipulado (2700 hm3/ano). O problema reside também na distribuição ao longo do ano e por trimestre, garantindo um caudal mais regular ao longo de todo ao ano, e garantindo que no período de estiagem os caudais não sejam demasiado reduzidos.

Também é necessário garantir que, em períodos de seca, considerados períodos de exceção e sem regras definidas na Convenção, sejam garantidos caudais minimamente sustentáveis para garantir a viabilidade dos ecossistemas ribeirinhos. Com efeito, o que se pretende é que sejam finalmente definidos verdadeiros caudais ecológicos, que permitam a sobrevivência dos ecossistemas ribeirinhos e o seu suporte à economia local, em vez de se perpetuar esta falácia dos caudais mínimos como solução.