Transição ecológica e transição digital têm que estar associadas, defende presidente da FEPS

“Como é que à escala planetária estamos, em simultâneo, a lidar com a resposta às alterações climáticas e com a necessidade de se implementar os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), num momento tão difícil como este, marcado pela crise da Covid-19 que está de facto a intensificar as desigualdades regionais e sociais?” Esta foi uma questão levantada por Maria João Rodrigues, presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas (FEPS), que não tem dúvidas de que o mundo está perante um “problema muito agudo” daquilo que se chama “governação global” e “decisões mais de fundo terão que ser tomadas”, sob pena de surgir “problemas mais prolongados”. 

A responsável falou na primeira conversa, da segunda temporada das “Conversas sobre Sustentabilidade“, promovida pelo BCSD (Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável). 

Na alteração de paradigma que está a surgir, Maria João Rodrigues centra-se no “efeito combinado” que é a “transição ecológica”, a “transição digital” e “crise da Covid-19” com impacto económico e social: “Se não atuarmos com visão e decisão vão trazer problemas bastante complexos em termos sociais e também grandes desafios para o futuro das empresas”. E em jogo, atenta, estão empresas viáveis, projetos empresariais e empregos de futuro: “Implica que sejamos muito certeiros nas decisões que vamos tomar nos próximos tempos”. Ao mesmo tempo, a presidente da FEPS destaca que se vive um “certo contexto histórico” na União Europeia, na medida em que foi possível organizar uma resposta de maior porte: “Estamos num momento muito importante para definir a direção que vamos tomar: os planos de recuperação têm que fazer as apostas certas sobre como conduzir essa transição ecológica e sobre como abrir um outro futuro, combinado com a transição digital, para as empresas, para os empregos e para melhores condições de vida nos nossos países”.

Maria João Rodrigues constata ainda que já é percetível por todos que a crise pandémica é mais complexa do que aquilo que se pensava no início e, a prova disso é que está a “operar por vagas” com estirpes a surgir, tornando o desafio ainda mais complexo: “Vamos ter que nos organizar e criar um horizonte a médio e longo prazo”. E a isto soma-se uma “discussão sobre como é que os países europeus se devem posicionar” no mundo, diz a responsável, que defende um “sistema multilateral atualizado e de cooperação internacional” que faça frente a desafios com estes da “crise pandémica”, das “alterações climática” e do “desenvolvimento”. Mais uma vez, a presidente da FEPS acredita que este é o “momento chave” para que se definam as “grandes apostas”que irão marcar os próximos anos, chamando a atenção para a forma como se vai “utilizar os orçamentos europeus reforçados” ou como se vai “mobilizar o sistema financeiro”. 

[blockquote style=”2″]Tem assim uma vertente inquietante mas também positiva que tem de ser trabalhada[/blockquote]

A pandemia da Covid-19 foi talvez a grande impulsionadora que mais contribuiu para uma transição digital cada vez mais acelerada. Ainda assim, a transição digital, segundo Maria João Rodrigues, está a ser também operada por vagas, onde as empresas portuguesas estão a tentar acompanhar essas diferentes vagas que se sobrepõem. De acordo com a responsável, a primeira vaga é a da conetividade; a segunda centra-se em “difundir o acesso a soluções mais inteligentes por via de aplicações ou programas disponíveis”; a terceira traduz-se numa “reorganização dos processos produtivos, dos mercados com base em grandes plataformas”; a quarta e última vaga está marcada pela “emergência de um novo recurso, o Big Data”. E, esta última, está a ser comandada pelos Estados Unidos da América e por empresas chinesas: “A Europa está atrasada e há também um atraso do lado português”, atenta. E a questão é: “Quem é que vai comandar esta transformação? Vamos aceitar que seja comandada por empresas americanas e chinesas, ou vamos conseguir com a força política da União Europeia influenciar as regras que vão enquadrar esta transformação também em prol do desenvolvimento sustentável?” Maria João Rodrigues atenta que as “duas transformações” – digital e ecológica – têm que estar associadas. E com isto, a responsável constata que a crise da Covid-19 está a “criar uma experimentação coletiva em grande escala” e, de uma forma “muito mais acelerada” tanto para as empresas como para os cidadãos: “Tem assim uma vertente inquietante mas também positiva que tem de ser trabalhada”, sucinta.

Como nota final, a presidente da FEPS é perentória: “Nada funcionará de forma aceitável, do ponto de vista social, se não for acompanhado de uma grande evolução do que é o nosso estado de providência na forma de aceder à educação, serviços de saúde, luta de desigualdade sociais ou pobreza extrema”.