Num acórdão histórico conhecido esta terça-feira, o Tribunal de Justiça da União Europeia confirmou a validade do Regulamento comunitário relativo ao acesso ao mar profundo, rejeitando uma ação interposta por Espanha que procurava anular medidas-chave de proteção dos ecossistemas marinhos vulneráveis no Atlântico Nordeste.
A decisão mantém várias zonas encerradas à pesca de contacto com o fundo, incluindo o arrasto de fundo e o palangre de fundo, e reafirma que as atuais medidas de proteção assentam em bases científicas e legais.
Desta forma, a Coligação de Conservação do Mar Profundo – uma coligação de mais de 130 ONG’s, associações de pescadores e instituições de ciência, direito e políticas públicas de todo o mundo, que colaboram na proteção dos ecossistemas vulneráveis do mar profundo – saúda a decisão, que confirma a legalidade da implementação, por parte da Comissão Europeia, em 2022, de encerramentos destinados a proteger habitats de águas profundas dos impactos destrutivos da pesca de fundo. Entre essas áreas protegidas incluem-se recifes de corais de águas frias, agregações de esponjas e outros habitats frágeis essenciais para a biodiversidade marinha.
“A decisão hoje tomada confirma que a proteção do mar profundo na UE deve basear-se na legislação em vigor e em evidência científica, e não ser influenciada por interesses industriais de curto prazo”, afirmou Sandrine Polti, Coordenadora da DSCC na Europa. “É uma vitória crucial para os ecossistemas de profundidade e para as gerações futuras que dependem de oceanos saudáveis”.
Estudos científicos demonstraram que tanto o arrasto de fundo como outras artes de contacto com o fundo, como o palangre de fundo, podem causar danos significativos aos ecossistemas de profundidade. O palangre de fundo pode quebrar ou deslocar corais de águas frias e esponjas, enredar vida marinha e perturbar os fundos marinhos, especialmente quando utilizado em zonas já identificadas como VMEs.
Adotado em 2016, o Regulamento da UE relativo ao acesso ao mar profundo proíbe a pesca com arrasto de fundo abaixo dos 800 metros nas águas da UE do Atlântico Nordeste para determinadas espécies e exige a proteção das VMEs contra todas as artes de pesca de contacto com o fundo, incluindo o arrasto e o palangre de fundo. Em 2022, com base num parecer científico do Conselho Internacional para a Exploração do Mar (CIEM), a Comissão designou 87 áreas como VMEs e interditou nelas a pesca com artes de contacto com o fundo.
Apesar das objeções de alguns Estados-Membros, nomeadamente Espanha e Portugal, as áreas encerradas representam apenas uma pequena fração das zonas de pesca em águas europeias. Ainda assim, estas objeções atrasaram o progresso para a próxima fase de encerramentos, que visa alargar a proteção a outros habitats profundos nas águas da UE.
“Este acórdão envia uma mensagem clara a todos os Estados-Membros da UE de que o Regulamento relativo ao acesso ao mar profundo não só é adequado como deve ser plenamente implementado e aplicado”, declarou Matthew Gianni, assessor de políticas da DSCC. “Agora que temos uma decisão definitiva do TJUE, apelamos à Comissão Europeia e aos Estados-Membros para que avancem sem mais demoras com o novo conjunto de encerramentos recomendados pelo CIEM”.
A decisão coincide com a Conferência do Oceano das Nações Unidas realizada em Nice, onde a UE lançou a sua visão para a conservação dos oceanos através do Pacto Europeu para os Oceanos. A decisão do Tribunal reforça o papel de liderança da UE na aplicação de compromissos internacionais como o Acordo das Nações Unidas sobre as Populações de Peixes, as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas e a Convenção sobre a Diversidade Biológica.
Cecilia del Castillo Moro, Consultora de Pescas da Ecologistas en Acción, comentou: “o Tribunal Europeu rejeitou inequivocamente os argumentos apresentados por Espanha e pela indústria da pesca para bloquear mais medidas de proteção do mar profundo. Apelamos agora ao governo espanhol para que apoie plenamente a implementação das exigências da UE para salvaguardar os ecossistemas de profundidade, cruciais para a saúde dos oceanos e para as pescarias do futuro”.
Por sua vez, Gonçalo Carvalho, Coordenador Executivo da Sciaena, acrescentou que “Portugal tem, durante demasiado tempo, adiado o avanço das medidas de proteção contra práticas de pesca destrutivas no mar profundo. A decisão de hoje é um sinal de alerta! É tempo de Portugal cumprir as suas responsabilidades ao abrigo da legislação da UE, e garantir que os habitats marinhos de profundidade são efectivamente protegidos, de uma vez por todas, beneficiando as comunidades piscatórias que delas dependem. Só então poderá apresentar-se legitimamente como um campeão internacional da conservação do oceano profundo”.