Zero apela a Portugal e Espanha para entendimento que melhor preserve os rios ibéricos

Hoje e amanhã decorre no Porto uma reunião plenária da Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção sobre a Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas – Convenção de Albufeira onde participarão os ministros do Ambiente de Portugal e Espanha.

A Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável analisou os dados desde 1 de outubro de 2016, início do ano hidrológico 2016/2017, até ao presente, relativos aos caudais afluentes médios diários disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos exatamente nas estações previstas no Segundo Protocolo Adicional da Convenção de Albufeira, que foi negociado e aprovado em 2008, e que define, para cada bacia hidrográfica, “o regime de caudais necessários para garantir o bom estado das águas e os usos atuais e futuros” (Diário da República, 1ª série, nº 222, de 14 de novembro de 2008), ou em estações que permitem igualmente uma leitura suficiente para avaliação dos caudais em causa em cada um dos três rios internacionais.

No caso do Douro, recorreu-se ao caudal afluente à Barragem de Miranda (estação hidrométrica 05T/01A); no caso do Tejo, não sendo possível aceder aos dados da Barragem de Cedillo, recorreu-se ao caudal afluente à Barragem do Fratel (estação hidrométrica 16K/02A); e no caso do Guadiana, não sendo possível aceder aos dados do Açude de Badajoz e não estando ainda em funcionamento a disponibilização de dados relativos à estação hidrométrica de Pomarão, recorreu-se a uma boa aproximação, através do recurso ao caudal afluente à Barragem de Alqueva (estação hidrométrica 24M/07A).

No rio Douro, Espanha não assegurou o caudal integral anual de 3500 hm3 no último ano hidrológico, entre 1 de outubro de 2016 e 30 de setembro de 2017, como previsto no regime de caudais acordado, tendo porém assegurado sempre os caudais integrais trimestrais e semanais – que, mesmo cumpridos, podem resultar num caudal integral anual muito mais reduzido.

No rio Tejo, houve uma semana em setembro de 2017 em que não foi respeitado o caudal semanal integral.
No rio Guadiana, no último ano hidrológico, entre 1 de outubro de 2016 e 30 de setembro de 2017, houve 38 dias em que não foi respeitado o caudal afluente médio diário de 2 m3/s, tendo ocorrido mais 6 dias sem se atingir esse valor desde 1 de outubro de 2017.

Uma análise detalhada dos dados recolhidos permitiu identificar que no Douro, o caudal integral anual para o ano hidrológico 2016/2017, entre 1 de outubro de 2016 e 30 de setembro de 2017, foi de 3200 hm3, abaixo dos 3500 mh3 acordado (cerca de 9% abaixo). No Tejo, na semana de 11 a 17 de setembro de 2017, o caudal integral semanal foi de 4,67 hm3, abaixo portanto dos 7 hm3 exigidos, enquanto que a 10 de setembro de 2017, o caudal afluente médio diário do Tejo esteve abaixo dos 600 litros por segundo. Por fim, no Guadiana, em diversas datas, mas predominantemente em agosto e setembro de 2017, Espanha não assegurou o caudal afluente médio diário de 2 m3/s acordado; o rio Guadiana é o único que tem um caudal mínimo médio diário a ser cumprido, enquanto os restantes rios internacionais têm apenas caudais integrais semanais, trimestrais e anuais acordados, revela a Zero, adiantando que não foi possível verificar o cumprimento do caudal anual por insuficiência de dados.

Bacia do Douro em regime de exceção?
A 10 de junho de 2017, através do Boletim Oficial do Estado, Espanha declarava a bacia hidrográfica do Douro como estando em situação de seca. Porém, de acordo com o estabelecido no Artigo 19º da Convenção de Albufeira, a declaração de situação excecional é comunicada pela Parte afetada à outra Parte, o que não sabemos se e quando teve lugar. Caso tal tenha acontecido, os cerca de 300 hm3 em falta no ano hidrológico de 2016/2017, uma quantidade de água ainda muito relevante, não tiveram que ser cumpridos por Espanha. Porém, no quadro do mesmo Artigo anteriormente referido, em situações de seca e de aplicação do regime de exceção, os países deveriam coordenar as suas políticas de gestão de caudais e não há conhecimento público de tais ações, estando cada país a aplicar as suas medidas de forma isolada.

A Zero considera que o sítio internet da Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção (http://www.cadc-albufeira.eu/pt/) precisa de uma grande melhoria em termos de transparência, devendo passar a disponibilizar toda a informação atualizada sobre os caudais verificados em cada um dos rios internacionais, incluindo também o rio Minho, e ainda outras informações que são relevantes para o acompanhamento pela sociedade civil da aplicação da Convenção de Albufeira, incluindo os mais recentes relatórios trimestrais e anuais.

Apelo a esforço negocial de Portugal e Espanha
Pela análise dos dados dos caudais integrais afluentes diários de cada um dos rios, é possível perceber que Espanha não faz uma gestão equilibrada à escala semanal, com dias quase sem água a passar para Portugal, compensados por dias com volumes muito maiores para atingir os mínimos acordados. Mesmo que haja que respeitar diferenças sazonais, a Zero considera que é desejável o estabelecimento de volumes de água mínimos diários, que devem ser contextualizados com valores de caudais semanais que sejam pelo menos o dobro dos atualmente em vigor para os rios Douro e Tejo. A associação admite situações de exceção que devem no entanto ter um acompanhamento e coordenação muito maior entre os países comparativamente com a realidade atual da gestão das bacias hidrográficas internacionais.