ZERO considera que mercado voluntário de carbono em Portugal precisa de critérios muito mais rigorosos

Termina esta terça-feira, 11 de abril, a consulta pública sobre a proposta preliminar do Governo sobre a configuração do mercado voluntário de carbono (MVC) em Portugal e as regras para o seu funcionamento.

Trata-se de um sistema em que organizações, nomeadamente empresas, podem comprar créditos de carbono como forma de compensar voluntariamente as suas emissões de carbono. Estes créditos representam a remoção dessas emissões através de projetos desenvolvidos por promotores e a proposta em consulta assenta sobretudo em projetos de sequestro florestal de carbono, com uma priorização clara dos territórios vulneráveis, e é enquadrada numa lógica de contribuição para a ação climática do país.

Para a ZERO, a instituição de um mercado voluntário de carbono não pode servir para ajudar a cumprir objetivos climáticos previamente definidos e que terão que ser alcançados independentemente dele. O MVC deverá garantir a prossecução de projetos de mitigação e sequestro de carbono verdadeiramente adicionais, ou seja, que potenciem a redução e remoção de emissões para além das metas estipuladas.

O mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas demonstra que é necessário um maior investimento em tecnologias de remoção permanente de dióxido de carbono para garantir a compensação das emissões residuais que não podem ser evitadas. No entanto, as remoções de CO2 terão sempre que ser um último recurso, não podendo substituir nem comprometer o objetivo principal de redução das emissões na fonte.

Ainda segundo a associação, um dos maiores problemas associados a projetos de gestão florestal no quadro dos mercados voluntários de carbono prende-se com a observância do critério da permanência, isto é, a capacidade de remover o carbono da atmosfera e armazená-lo de forma segura por períodos iguais ou superiores aos de permanência na atmosfera dos Gases de Efeito de Estufa. Assim, a proposta do Governo falha, desde logo, em assegurar a necessária robustez dos instrumentos propostos, já que dá primazia a projetos de gestão florestal que, face à crescente vulnerabilidade do território português a situações de incêndios e a períodos prolongados de seca extrema, dificilmente poderão assegurar de forma permanente o armazenamento de carbono.

Para além disso, a ZERO chama ainda a atenção que a provável reversão de emissões – em que o carbono armazenado volta para a atmosfera sempre que há incêndios – implica um efeito iô-iô, pois a proposta prevê que a eventual compensação dessas reversões seja feita recorrendo a mais projetos florestais.

A proposta de decreto-lei propõe um mecanismo para salvaguardar eventuais reversões que assenta sobretudo na constituição de uma bolsa de garantia, para a qual revertem 20% dos Créditos de Carbono Verificados (CCV) emitidos pelos projetos de sequestro de carbono, com exceção dos projetos em territórios vulneráveis, que revertem 10%. Para a ZERO, algumas medidas são essenciais para tornar esta proposta mais sólida:

  1. Na eventualidade de a bolsa de garantia não dispor de créditos suficientes para suprir as emissões de GEE por força de uma reversão, a proposta prevê que o Fundo Ambiental adquira os créditos em falta. Para a ZERO, o Fundo Ambiental não deve adquirir quaisquer créditos de carbono, sendo a prioridade da sua ação custear políticas públicas eficazes de mitigação de emissões e de eficiência energética ou com outros co-benefícios ambientais. Ao invés, deve existir uma contratualização obrigatória de um seguro que garanta a aquisição, pelo promotor do projeto, de novos créditos no mercado (nacional ou internacional) que correspondam à remoção da atmosfera do carbono revertido.
  2. Os efeitos dos projetos devem ter um horizonte de pelo menos 100 anos.
  3. A geração e aquisição de créditos de carbono futuros deve ser retirada da proposta, uma vez que se trata de remoções possíveis e não efetivas.
  4. As entidades que adquirem créditos de carbono não os devem usar para substituir esforços de mitigação de emissões. Por isso, devem existir mecanismos que o previnam, como a imposição de um sobrecusto nessa aquisição sempre que as reduções de emissões conseguidas pela entidade adquirente sejam inferiores à redução média do sector em que operam (à escala europeia).

A ZERO acolhe ainda “positivamente a criação de uma plataforma pública de registo dos projetos e dos créditos que permita o seu rastreio, sendo esta uma boa forma de garantir transparência num mercado que é tipicamente desregulado, com consequências nefastas em termos de credibilidade”.

O relatório que a proposta do governo prevê por parte Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a publicar no primeiro trimestre de cada ano, deve, na opinião da ZERO, incluir informação crucial para avaliar a utilidade deste mecanismo, tanto por projeto, como no conjunto dos projetos em termos anuais e acumulados, como sejam:

  1. O balanço climático.
  2. O total de emissões de GEE evitadas.
  3. As emissões de GEE associadas às operações de execução e manutenção dos projetos.
  4. A totalidade dos GEE que regressaram à atmosfera após reversões intencionais e não intencionais.
  5. A totalidade das emissões de GEE associadas às atividades de monitorização e fiscalização dos projetos.

Tendo em conta que o mercado proposto assenta sobretudo em projetos de gestão florestal, é fundamental que se estabeleçam critérios rigorosos sobre os projetos, nomeadamente uma restrição clara às monoculturas de regime intensivo, diz a associação. Na mesma linha, é importante promover as boas práticas e os serviços de ecossistemas através dos Créditos de Carbono +, estabelecendo um requisito claro para que se invista nas espécies autóctones.