ZERO defende “antecipação”, “transparência” e “rigor” na implementação dos projetos

A APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) arranca 2021 com uma série de debates mensais online com foco na energia renovável. O primeiro debruçou-se sobre o “Balanço de 2020 em Eletricidade Renovável” e contou com a participação de Francisco Ferreira, presidente da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável). A moderação ficou ao cargo de Pedro Amaral Jorge, CEO da APREN.

Embora o ano de 2020 tivesse sido marcado pela pandemia da Covid-19, Francisco Ferreira refere que do ponto de vista das “negociações internacionais” ou das “posições à escala mundial”, muitas áreas vão condicionar positivamente o futuro. E um dos destaque centra-se, essencialmente, no facto de 2020 ter sido um ano de “diversos recordes”, nomeadamente, na “produção renovável em Portugal”, na “redução de emissões de carbono no setor da eletricidade” ou na “redução de consumo de combustíveis fósseis” devido à pandemia. “É um ano que foi complicado devido à Covid-19 mas, ao mesmo tempo, um ano decisivo para a próxima década, por causa dos dossiers que foram lançados em termos teóricos e práticos”, considera.

[blockquote style=”2″]Há aqui muitas portas que se abriram para um futuro que vai ser diferente[/blockquote]

Para Pedro Amaral Jorge há lições, comportamentos e hábitos mais sustentáveis, impostos pela pandemia, que não devem ficar esquecidos. E a questão que coloca tem que ver com as boas práticas que devem continuar a ser aplicadas em 2021. 

Francisco Ferreira acredita que uma das coisas que vai ficar e que vai ganhar preponderância é o “papel dos consumos domésticos” e a “relação que a eletricidade passou e passará a ter à escala doméstica”, nomeadamente, no “conforto térmico” que é agora um tema que merece mais reflexão por parte da maioria das pessoas. E o mesmo acontece com a reabilitação dos edifícios: “A pandemia focalizou esta questão de lidar com a energia em casa de uma forma que as pessoas não sentiam tanto”, afirma. Nestas matérias, o responsável não deixa de alertar para a urgência do combate à pobreza energética, acreditando que há oportunidades que não devem ser desperdiçadas: “Há aqui muitas portas que se abriram para um futuro que vai ser diferente”.

[blockquote style=”2″]Mais do que a fiscalidade, a infraestrutura é que está a condicionar as decisões [/blockquote]

O ano de 2020 foi de recordes para a energia renovável. De acordo com o presidente da ARPEN, no acumulado do ano, a geração renovável representou aproximadamente 62%: “Geramos em termos totais 50 TWh com um preço médio da taxa de carbono de 24.7 euros por tonelada”. Em termos integrais, Pedro Amaral Jorge dá conta que se evitou “200 milhões de toneladas de CO2”, quase 30% a mais do que no ano anterior, representando uma “poupança de sistema ao electroprodutor de 440 milhões de euros em licenças de CO2”. E o mês de dezembro comprova ainda mais os bons resultados: “Incorporamos 75% de renováveis no consumo em termos mensais e de carvão tivemos apenas 3,3% de incorporação”. Pedro Amaral Jorge quis saber quais as perspetivas para o ano de 2021 e quais os ganhos ambientais que se vão destacar ao longo do ano.

De acordo com Francisco Ferreira, há uma questão que vai mudar que está relacionada com a “competição” entre os setores do transporte e das centrais térmicas: “Do total de gases com efeito de estufa, um quarto é do setor dos transportes e um quarto é da produção de energia elétrica”. E 2021 vai ser o ano da grande mudança: “Sem a central de Sines tudo indica que serão os transportes, enquanto a eletrificação não tiver um peso grande, o grande setor responsável pela maior fração pela emissão de gases com efeito de estufa”.

Do ponto de vista do responsável, é fundamental que o investimento se faça em “suficiência energética” que inclui a “eficiência energética” e, depois, a “passagem para as renováveis”, acreditando que “com a retirada do carvão isso é visível em termos das emissões”. 

Na transição para a eletrificação é crucial ter atenção a duas áreas: setor da habitação e o setor dos transportes. Neste último, não restam muitas dúvidas de que haverá uma “progressiva retirada de emissões até 2050”, sobretudo no “transporte rodoviário”. Para ambos os setores, Francisco Ferreira defende a necessidade de se trabalhar em antecipação: “Um dos aspetos que a ZERO defende é que deve ser proibida a venda de esquentadores a gás de caldeira ou fogões a gás, a partir de 2025”. E o mesmo acontece nos transportes: “É crucial ter intervenção do estado no que respeita à proibição de venda dos veículos a combustão”. No setor dos transportes a grande dificuldade está na rede de carregamentos: “Há muitas pessoas que não fizeram a aquisição de um veículo elétrico porque não têm onde o carregar”, atenta. De acordo com o presidente da ZERO, toda a política de disponibilidade de carregamento que deveria ser “banalizada” é uma “ameaça clara” da infraestrutura face à procura deste tipo de veículos: “Mais do que a fiscalidade, a infraestrutura é que está a condicionar as decisões”.

[blockquote style=”2″]Temos infelizmente muitas áreas de solo pouca ou nada produtivas[/blockquote]

Outra problemática identificada por Francisco Ferreira é a questão do “preço da eletricidade” para o consumidor e a “influências que as renováveis” assumem: “Continuamos com argumentos falaciosos”. Para tal, é fundamental “descodificar as vantagens, os princípios ou os benefícios” tornando as “políticas” cada vez mais “transparentes” de forma a que os cidadão se tornem atores nestas matérias.

Quanto às metas a que Portugal está comprometido, Francisco Ferreira acredita que a redução das emissões e o cumprimento dos objetivos passa, essencialmente, pelas fontes de energia renovável: “Acho que é fundamental que usemos critérios de eficiência”. Na questão do solar a “grande preocupação” da ZERO está essencialmente em “encontrar soluções sustentáveis” do ponto de vista ambiental, algo que no “edificado” essas questões não se colocam de forma tão pertinente. Mas, o mesmo não acontece com os parques solares: “Temos infelizmente muitas áreas de solo pouca ou nada produtivas, onde o impacto na paisagem é mais visível”, atenta. Assim, o presidente da ZERO defende a necessidade de se “selecionar os melhores locais”, mesmo sabendo que há “limitações em termos de pontos de acesso e de interligação”. E esta discussão, lembra o responsável, não foi feita no eólico, onde muitos projetos ficaram comprometidos. Na questão do solar, o risco é semelhante: “Falta rigor e transparência na sua implementação”. Por isso, “sejamos rigorosos” e “procuremos garantir”  a “antecipação” dos projetos, até porque, um país que quer estar na “linha da frente” nesta área, “tem, obviamente, que garantir estas circunstâncias”, remata.