ZERO denuncia “borlas às companhias aéreas” e alerta para o “buraco fiscal nos cofres” do Estado

Há um novo estudo que confirma a baixa carga de impostos e taxas que se aplica ao setor da aviação e que poderia pagar a descarbonização dos transportes em Portugal. O estudo, divulgado pela Associação ZERO, membro da Federação Europeia de Transportes e Ambiente, mostra que o Estado português já perdeu 1,2 mil milhões de euros em receitas fiscais, devido aos benefícios e isenções fiscais que as viagens aéreas europeias de passageiros tiram partido.

Na prática, critica a ZERO, trata-se de um “buraco fiscal nos cofres do Estado e uma borla às companhias aéreas, as quais muito comumente não cobram IVA na emissão de bilhetes (ou cobram a uma taxa reduzida), abastecem de combustível não sujeito a imposto sobre produtos petrolíferos, e têm licenças de emissão de dióxido de carbono atribuídas gratuitamente”. O estudo debruça-se sobre os países da UE27, Reino Unido, Noruega, Suíça e Islândia (referidos como Europa), e os resultados dizem respeito ao verificado em 2022 e previsto para 2025 (assumindo que por esta altura o tráfego aéreo já terá recuperado totalmente face aos níveis pré-pandemia).

De acordo com a ZERO, o estudo constata que, em 2022, os governos europeus perderam 34,2 mil milhões de euros dessa forma, o que, em termos comparativos, é mais de 50% superior a todo o envelope financeiro do Plano de Recuperação e Resiliência português. Na União Europeia (UE), que só cobrou em 2022 cerca de 5 mil milhões de euros em taxas e impostos à aviação, esse valor foi de 26,4 mil milhões de euros – ou seja, a UE no ano passado só cobrou cerca de 16% da receita que deveria ter cobrado.

Estes benefícios comparáveis tiveram ainda implicações em termos de emissões, pois viabilizaram um acréscimo de 34,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) emitidas para a atmosfera: “Se contabilizados os efeitos não CO2 – que incluem a emissão de outros gases com efeito de estufa, tais como óxidos de azoto e vapor de água, bem como a formação de contrails (rastos de condensação) que têm um efeito de aquecimento da atmosfera –, o efeito é de cerca de 104,4 milhões de toneladas de CO2 e, o que é perto do dobro do total das emissões anuais registadas em Portugal em 2021”, confirma o estudo.

Este paraíso fiscal, tal como alerta a Associação, tem efeitos muito prejudiciais na economia e ambiente: “Ao favorecer um setor em detrimento de outros leva a distorções de mercado, reduzindo a concorrência – da ferrovia, por exemplo –, tem custos de oportunidade – pois limita a receita dos estados e a disponibilidade de fundos para investimentos públicos na descarbonização das economias, incluindo a do sector da aviação –, exponencia um modelo de mobilidade insustentável assente em viagens aéreas artificialmente baratas sustentadas pelos contribuintes e poluentes, em que o princípio do poluidor pagador não é respeitado, e não dá o sinal necessário às companhias para adotarem tecnologias menos prejudiciais do ambiente”.

Segundo o estudo, em 2025, caso os governos nacionais e da UE não acabem com estes benefícios, o buraco fiscal “aumentará para 47,1 mil milhões de euros na Europa, e 35,7 mil milhões de euros na UE”.

Uma borla fiscal do Estado português de 1,2 mil milhões de euros em 2022

No caso de Portugal, em 2022 o Estado português perdeu 1,2 mil milhões de euros em receitas fiscais devido à baixíssima carga de impostos e taxas que aplica no setor da aviação. Em 2025, segundo as previsões da ZERO, se o Governo não revir os benefícios que aplica às companhias aéreas que operam no país, este valor atingirá mais de 1,4 mil milhões de euros, provavelmente mais de 1,5 mil milhões de euros considerando as projeções de crescimento do turismo em Portugal: “Trata-se de valores anuais, que poderiam pagar a descarbonização do transporte rodoviário público em Portugal ou a terceira travessia exclusivamente ferroviária entre Chelas e Barreiro, uma infraestrutura essencial que permitirá operar serviços que competem com o transporte aéreo nas ligações até 600 quilómetros, permitindo a ligação Lisboa-Madrid em cerca de três horas”.

Em Portugal não há impostos sobre o combustível dos aviões – “situação comum ao resto da UE, em que as companhias aéreas nunca pagaram um único cêntimo deste imposto” –, o IVA sobre os bilhetes é inexistente ou baixo – “é aplicada uma taxa de IVA de 6% nos voos domésticos continentais” –, é aplicada uma quase inexpressiva taxa de carbono fixa de dois euros por bilhete – “que diminui nuns meros 3% o buraco fiscal da aviação em Portugal”. Para agravar, “as licenças de emissão de CO2 a que as companhias estão sujeitas só se aplicam nas viagens intraeuropeias, e muitas são oferecidas”, o que também é comum ao resto da UE. O que não é comum ao resto da UE, segundo a ZERO, é que, no conjunto, em Portugal estas receitas representam apenas cerca de 10% do que deveriam representar, o que compara com os 16% na UE.

Aplicar taxa de passageiros, penalizando quem viaja muito

No entender da ZERO e das suas congéneres europeias, é preciso a nível europeu “acabar muito rapidamente com as isenções fiscais injustificadas ao combustível de aviação”, bem como “garantir que o Comércio Europeu de Licenças de Emissão cobre todas as emissões de carbono de todos os voos”, incluindo os de “longo curso” em também, “aplicar IVA em todos os bilhetes de avião a uma taxa suficientemente elevada (o estudo recomenda uma taxa de 20%)”.

No caso de Portugal, a Associação defende que deveria ser aplicada uma taxa de cerca de, em média, 20 euros para uma viagem doméstica, 48 euros para uma viagem intraeuropeia e 281 euros para uma viagem intercontinental de longo curso. Mas, “esta taxa pode ser aplicada diferenciadamente”, isto é incrementalmente em função do número de viagens que o passageiro faz regularmente: “Por exemplo, a chamada taxa de passageiro frequente, penalizando sobretudo quem viaja muito”. Este tipo de taxa ajudaria a “reduzir o impacto ambiental das viagens aéreas, desencorajando voos excessivos e reduzindo as emissões”, remata.