ZERO é contra voos noturnos sem limites no aeroporto de Lisboa durante mais de um mês

A Associação ZERO opõe-se aos voos noturnos sem limites no aeroporto de Lisboa durante mais de um mês. Esta posição surge após o Ministério das Infraestruturas estar a preparar-se para autorizar voos noturnos sem imposição de quaisquer limites no aeroporto Humberto Delgado na Portela, estando até ao dia 4 de outubro em consulta pública o projeto de portaria governamental que procederá a essa autorização.

“A portaria em consulta destina-se a fazer suspender esses limites durante o próximo período de 18 de outubro a 28 de novembro por motivos de atualização do sistema de controlo aéreo, pois há a intenção de alocar ao período noturno voos que ocorreriam em período diurno, ou seja, durante um período que pode durar 41 dias, haverá durante a noite mais aviões a sobrevoar Lisboa do que o normal”, informa a ZERO, num comunicado.

Nessa mesma nota, divulgada à imprensa, a ZERO destaca um conjunto de razões que justificam a sua posição:

  • Impactos socioambientais negativos muito significativos

A ZERO recorda que, em julho de 2019, fez medições de ruído no Campo Grande que revelaram valores muito acima das recomendações da OMS e dos limites definidos no Regulamento Geral do Ruído, com um nível de ruído na 24h do dia de 74 dBA, 9 dBA acima do limite legal aplicável (65 dBA), e um nível de ruído noturno de 66 dBA, 11 dBA acima do limite legal nesse período do dia (55 dBA). Para referência, um aumento de 10 dBA corresponde ao dobro do ruído em termos de sensação auditiva. As medições foram repetidas no fim de abril de 2020, em plena pandemia e com um tráfego aéreo residual, com registo de valores elevados mas dentro da legalidade. Já em julho de 2022, medições em Camarate registaram o regresso à situação de ampla violação dos limites estabelecidos.

Posto isto, a Associação faz notar, em primeiro lugar, que o sobrevoo da cidade de Lisboa por aviões em período noturno – mais de 20.000 voos por ano no período das 23:00 às 07:00 – afeta mais de 150.000 cidadãos com níveis de ruído insalubres e ilegais. Em segundo lugar, a autorização concedida pela Portaria 303-A/2004 trata-se de um caso singular em toda a Europa, onde aeroportos que afetam muito menos população encerram totalmente em período noturno. Em terceiro lugar, os limites estabelecidos na Portaria, 26 voos no período das 0:00 às 6:00 e 91 voos semanais, são extremamente generosos para a atividade aeroportuária e ao mesmo tempo extremamente lesivos do descanso dos cidadãos, bem como o horário, circunscrito a seis horas por noite, é demasiado reduzido. Em quarto lugar, tem existido uma reiterada e flagrante violação destes limites, com excedências em mais de 50% no número de voos permitidos, o que prefigura conivência com a ilegalidade e grosseira negligência em relação às populações afetadas por parte das autoridades. A ZERO entende que este estado das coisas, já de si grave, não pode ser agravado sob nenhum pretexto durante nenhum período de tempo.

  • Insuficiente justificação

A ZERO não entende como é possível, em nome da atualização de um sistema de controlo de tráfego aéreo que provocará algumas disrupções na operação do aeroporto, serem os cidadãos de Lisboa e Loures chamados a ser sacrificados com níveis de ruído noturno inaceitáveis durante um período superior a um mês. Na opinião da Associação, esse ónus não pode recair sobre os cidadãos, devendo a ANA Aeroportos e entidades responsáveis procurar vias alternativas para lidar com a situação.

  • Um inconstitucional atentado ao descanso dos cidadãos

O descanso, o sono, a qualidade de vida e o direito ao ambiente são direitos constitucionalmente consagrados e tidos como fundamentais nos artigos 25.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa. Por isso, a Portaria 303-A/2004 que autoriza a operação aeroportuária em regime noturno dentro de alguns limites é, no entender da ZERO, inconstitucional, e, por maioria de razão, o regime excecional agora em consulta que suspende esses limites também o é.

  • Consulta pública desenhada para propiciar uma fraca participação

A ZERO lamenta que a constituição de interessados para esta consulta pública tenha sido lançada a meio do verão, em plenas férias, e por um período de tempo de apenas duas semanas, o que propiciou uma fraca participação. Além disso, a consulta foi restrita aos “interessados” que “comprovem a respetiva legitimidade, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 68.º do CPA”. Na interpretação da Associação, “estamos perante a proteção de interesses difusos perante ações ou omissões da Administração passíveis de causar prejuízos relevantes não individualizados em bens fundamentais como a saúde pública”, e por isso qualquer cidadão ou entidade, mesmo não diretamente afetado, deveria ter podido participar na consulta.

  • Há condições e financiamento para atualizar o sistema de controlo aéreo e para obras no aeroporto – e para obras de insonorização nas zonas afetadas?

No entender da ZERO, a atualização do sistema de controlo aéreo do aeroporto que custará cerca de 104 milhões de euros, obras anunciadas para aeroporto no valor de 200 a 300 milhões e euros, mas o mais elementar e barato cumprimento do Plano de Ações de Gestão e Redução de Ruído para o Aeroporto Humberto Delgado continua esquecido,

A ZERO lamenta que Plano de Ações de Gestão e Redução de Ruído para o Aeroporto Humberto Delgado continue esquecido: “Está desatualizado, é insuficiente, prevendo obras de insonorização num conjunto muito limitado de edifícios, está mal concebido e cheio de lacunas; não obstante, ele existe, e deve-se cumprir antes mais nada.” Para efeitos comparativos, “o plano anterior, para o período 2013-2018, também largamente incumprido, foi estimado com custos da ordem dos 4,5 milhões de euros, o que compara com os mais de 300 milhões de euros de investimentos anunciados no aeroporto”, algo que, para a ZERO, é uma “inadmissível inversão” de prioridades.

Dar voz aos cidadãos afetados

No sentido de facilitar a reclamação a todos os queixosos, a ZERO disponibiliza no site um formulário que pretende contribuir para remediar esta situação, dando voz aos cidadãos afetados e aos quais não é dada oportunidade de se fazerem ouvir pelas entidades competentes. As reclamações recolhidas serão dirigidas, pela ZERO, à ANA Aeroportos, ANAC e ao município da área de residência. Desde que o formulário foi disponibilizado, em julho, a ZERO já recolheu cerca de 200 reclamações, o que denota a dimensão do problema.