Biodiversidade enquanto pilar verdadeiro da economia sustentável

Já começou a Semana Verde Europeia 2020, promovida anualmente pela União Europeia. Sob o lema “Um Novo Começo para as Pessoas e a Natureza”, são várias as ações que decorrem até à próxima quinta-feira. Lisboa, a Capital Verde da Europa 2020, recebeu esta segunda-feira uma conferência na Fundação Calouste Gulbenkian. A biodiversidade e a natureza foi o tema central para vários investigadores debaterem trajetórias atuais e futuras, destacando as contribuições das mesmas para a sociedade e a economia. Ficou clara a dependência que existe entre o ser humano e a biodiversidade.

Rúben Heleno, docente na Universidade Coimbra, começou por alertar que há “um milhão de espécies em extinção” que estão ameaçadas e, apenas, cerca de 13 mil espécies foram nomeadas, havendo certezas de que os habitats que estão ameaçados vão desaparecer sem ser possível identificar tais espécies. Para o docente, a única solução para lidar com os problemas é a biodiversidade: “É a única forma de construir resiliência, de estarmos preparados para a mudança”. Além disso, a criação da biodiversidade é também a mesma solução que vai “melhorar os diferentes sistemas do ecossistema”, sustenta. O responsável é perentório: “Precisamos da saúde de todo o sistema para o nosso próprio bem”.

Outra questão abordada pelo responsável foi o sistema de polinização, destacando que, na Europa, “84% das principais colheitas beneficiam” do sistema. E em países ricos, como Portugal, o docente diz que as perdas e os problemas de biodiversidade não resultarão em “falta de alimentos” mas haverá “menos diversidade, menos qualidade” e “preços mais elevados” dos alimentos. Na visão do responsável, a proteção de polinizadores vai contribuir para que os objetivos seja alcançados, nomeadamente “manter a vida na terra”, lutar contra as “alterações climáticas” e beneficiar de uma “produção cíclica”.

[blockquote style=”2″] Esforço tem mesmo de ser extra [/blockquote]

Paulo Farinha Marques, diretor do Jardim Botânico do Porto, chamou a atenção que nos desafios da biodiversidade não se trata de negociações, alertando para a necessidade de se criar zonas e conceber e saber gerir o espaço: “Não basta harmonizar, compensar e aceitar, temos mesmo que dissipar o conflito”. Na perda de biodiversidade, o responsável diz que o “esforço tem mesmo de ser extra”, no sentido de “cultivar” a biodiversidade e “gastar energia” na sua promoção, aproveitando da melhor forma o conhecimento que existe: “A partilha de conhecimento dos estudantes tem contribuído para aumentar a biodiversidade na cidade do Porto”, afirma.

Na “cidade Invicta”, já são alguns os sistemas que têm cultivado a biodiversidade: “A par do planeamento, temos de desenhar de uma forma muito detalhada tendo em conta os recursos, os materiais e as pessoas que vivem nos locais”, de forma otimizar espaço. A Asprela, no Campus Universitário, e o Jardim Botânico são, para o responsável, pontos importantes de ligação.

[blockquote style=”2″] Se não fossem os oceanos o planeta já não era habitável [/blockquote]

Do lado dos oceanos, foi Emanuel Gonçalves, administrador da Fundação Oceano Azul, que começou por realçar a pandemia da Covid-19 e as imagens que têm surgidos de animais nas cidades, levando à questão: “Será que a natureza está de regresso?”. É certo que já são vários os estudos que estão ser feitos em relação ao impacto da pandemia na vida selvagem, diz. Mas não restam dúvidas de que a “situação de emergência climática” e uma crise de extinção de espécies” são os dois desafios mais prementes. 

O responsável chama atenção para o facto de toda a sociedade ter consciência de que está a destruir o planeta: “E se o continuarmos a fazer, é por opção”, sustenta. No que diz respeito às alterações climáticas, Emanuel Gonçalves destaca o papel importante do oceano, sendo a principal rede de segurança: “90% do calor está nos oceanos e se não fossem os oceanos o planeta já não era habitável”. E é graças aos processos climáticos que está a ocorrer a acidificação oceânica, causada pelo aquecimento global e da atividade humana. E como soluções, aquela que parece ser a mais viável é o Acordo de Paris. Contudo, o responsável afirma que os passos que estão a ser dados assentam no “business as usual”, razão pela qual “estamos em situação de emergência”. E quanto ao tempo escasso, Emanuel Gonçalves não tem dúvidas de que “os próximos 10 anos são vitais para os próximos séculos”. O impacto dos efeitos do aquecimento global é já assustador, dando como exemplo os “recifes de coral” que estão a ser muito afetados: “E se a temperatura for superior, os recifes desaparecem”, afirma, alertando para o facto da “biodiversidade marinha encontrar-se nos recifes”. Mas há outros habitats que serão afetados, caso o aquecimento não seja evitado, reforça.

Emanuel Gonçalves chamou ainda a atenção para o facto de existir a ideia de que os oceanos são demasiados grandes para haver impacto da atividade humana. Mas, a realidade é que “apenas 13% dos oceanos permanecem intactos”, diz. Além de ser uma prioridade “preservar aquilo nos resta” é vital “recuperar aquilo que retiramos à natureza e colocar os oceanos no seu espaço selvagem”.

Embora as alterações climáticas sejam já causadoras do declínio de todos os indicadores e dos diferentes impactos na biomassa, o responsável declara que a “informação que existe é hoje suficiente para agir”, quer seja na descarbonização da economia, quer na reconstrução da natureza e dos oceanos. E, nesta última, deve ser promovida uma “recuperação dos recursos piscícolas” com os oceanos a criar soluções, começando, desde logo, pela mudança do atual modelo económico e reforçar a aposta em soluções baseadas na natureza como “mudar transporte de mercadorias nos oceanos” ou utilizar a energia e reconstituir a biomassa”, diz.

[blockquote style=”2″] Na Europa, há um novo ímpeto [/blockquote]

Por seu turno, Helena Freitas, docente na Universidade de Coimbra, reiterou o facto da biodiversidade e a contribuição da natureza estarem afastadas das vidas diárias. Mas são a “pedra basilar” dos “alimentos”, da “água limpa” e da “energia” pelo que deve ser garantida uma “utilização sustentável da natureza”. E a investigadora não tem dúvidas de que a “conservação dos ecossistemas” e da “biodiversidade” são o “verdadeiro pilar de uma economia sustentável”. Portanto, a resiliência da economia global está ligada com o estado do ambiente: “E conseguir um maior alinhamento entre a nossa economia e estes sistemas ambientais é o desafio mais importante” do planeta.  

A docente alerta para o facto de que as perdas de biomassa e a abundância das espécies acontecem a um “ritmo que parece impossível de impedir”, pelo que cabe ao Governo desbravar o caminho para o investimento privado,ou seja, garantir o quadro regulamentar, incentivos inteligentes e estrutura de mercado para promover o efeito catalisador dos fluxos financeiros do setor privado para conservação da biodiversidade”. Há mesmo a necessidade de garantir que a natureza é, realmente,  valorizada em todas as economias, vinca. E, para tal, a docente considera que se exige “liderança política” e “políticas transformadoras”, “mecanismos e incentivos transformadores”, ao mesmo tempo e que se “incentiva o financiamento em grande escala”. Nestas matérias, a responsável reconhece: “Na Europa, há um novo ímpeto”.

Helena Freitas declara que a “gestão dos serviços dos ecossistemas” e “soluções baseadas na natureza” não só permitem proteger a natureza como também “as pessoas” e a “contribuir para um mundo diferente”.

A abertura da Semana Verde da UE deste ano também funcionará como um marco no caminho para a Conferência das Partes (COP 15) sobre a Convenção sobre Diversidade Biológica, agora planeada para 2021, onde os líderes mundiais irão adotar um plano de ação de 10 anos para a biodiversidade: um novo acordo global para as pessoas e a natureza.

Leia outros artigos da Semana Verde Europeia 2020:

  • Sessão de aberturaFernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa
  • Sessão de aberturaVirginijus Sinkevičiuscomissário europeu do Ambiente, Oceanos e Pescas
  • Sessão de aberturaJoão Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática
  • Sessão de aberturaElisa Ferreira, comissária europeia para a Coesão e Reformas
  • Sessão de encerramentoJosé Sá Fernandes, vereador do Ambiente, Clima, Energia e Estrutura Verde da Câmara Municipal de Lisboa