A União Europeia está a mostrar-se ambiciosa quando o tema é a descarbonização. Um novo acordo europeu prevê agora a meta de redução em 90% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2040, e Nuno Matos, Diretor-Geral da Eco-Oil, revela a sua posição.
Qual é a importância deste novo acordo europeu para a economia portuguesa?
Este novo acordo europeu, que estabelece a meta de redução em 90% das emissões de gases com efeito de estufa até 2040, representa um patamar superior de ambição climática, além vir reforçar os compromissos do Acordo de Paris. Mais do que um dever político, é um sinal claro de que a Europa precisa acelerar os seus esforços rumo à neutralidade carbónica.

Para Portugal, traduz também uma oportunidade única para reforçar a competitividade, apostando na valorização de resíduos e em soluções capazes de reduzir as emissões sem comprometer a eficiência ou o crescimento económico.
Na Eco-Oil, vemos esta meta como um incentivo à mudança estrutural. Obriga-nos a repensar a forma como produzimos e consumimos energia, substituindo matérias-primas fósseis por matérias circulares e a investir em alternativas que conciliem impacto ambiental com viabilidade económica. O caminho da descarbonização não se faz apenas pela eletrificação, mas também pela diversificação inteligente das fontes de energia. É possível conciliar soluções que permitam descarbonizar setores de difícil eletrificação, como o marítimo ou o industrial, garantindo que a transição acontece de forma realista e gradual.
Quais os principais desafios que este objetivo coloca às empresas dos setores mais intensivos?
Se, por um lado, esta medida é importante para reforçar a ambição com que empresas, governos e cidadãos olham para a descarbonização, por outro levanta um conjunto de sérios desafios, principalmente para as empresas dos setores mais intensivos. Desafios estes que são, simultaneamente, tecnológicos, económicos e estruturais.
Em primeiro lugar, há o desafio da adaptação industrial: muitas infraestruturas foram desenhadas para operar com base em combustíveis fósseis e exigem agora uma reconversão gradual, segura e financeiramente sustentável. No caso da indústria pesada, como o cimento, o aço ou a química, a transição implica investimentos avultados em novas tecnologias de captura, reutilização e substituição energética, que nem sempre têm maturidade comercial ou escala suficiente para uma adoção imediata. Em todos sectores será necessária uma abordagem integrada destes múltiplos fatores.
No caso particular da indústria química nacional, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, apresentado em outubro num trabalho conjunto entre a APQuímica e a EY, aponta para a necessidade de um investimento global de 30 mil milhões para descarbonizar o setor até 2050 – são mais de 1000 milhões por ano.
Para estes casos, importa considerar todas as soluções disponíveis que permitem uma redução das emissões de forma, mais ou menos, imediata e 100% segura. Combustíveis reciclados ou com baixo teor de carbono são um ótimo substituto dos fósseis, pois permitem reduzir as emissões do setor industrial em até 99%, bem como servem as infraestruturas atuais sem a necessidade de uma mudança estrutural. Além disso, ao reaproveitar resíduos para a sua produção (sejam eles industriais, marítimos ou agrícolas), são um exemplo de economia circular em ação, mitigando significativamente o seu impacto ambiental.
Outro grande obstáculo é a viabilidade económica. A pressão para reduzir emissões é muitas vezes maior do que os incentivos disponíveis para o fazer. Muitas empresas ainda se veem obrigadas a escolher entre soluções mais sustentáveis e opções mais competitivas do ponto de vista económico, sobretudo num contexto de instabilidade regulatória, insegurança económica e volatilidade de preços energéticos. A transição energética não pode ser apenas um imperativo ambiental. Necessita de ser também um modelo de negócio viável, que assegure competitividade e previsibilidade aos investidores e operadores.
Acrescentaria ainda, como desafio, a mentalidade e integração sistémica. As empresas precisam de repensar o modo como encaram os resíduos e passar a tratá-los como recursos. É imprescindível investir em parcerias que promovam a circularidade, porque este é o verdadeiro eixo para conseguirmos assegurar que uma meta tão ambiciosa como a proposta é exequível. Falta, em muitos casos, uma rede logística eficiente de recolha e valorização de subprodutos, bem como um enquadramento regulatório que facilite a adoção de soluções mais circulares.
De que forma a Eco-Oil está a adaptar-se para contribuir para as metas de descarbonização europeias?
O nosso modelo de negócio está, indubitavelmente, alinhado com as metas europeias de descarbonização. A sustentabilidade é o ADN da Eco-Oil: trabalhamos diariamente para transformar resíduos provenientes da atividade marítima em recursos valiosos para o setor industrial. Na nossa micro refinaria, conseguimos reciclar e reaproveitar cerca de 99% dos resíduos que tratamos, produzindo o EcoGreen Power, um combustível reciclado e de baixo carbono, certificado pela ISCC Plus, que reduz até 99% das emissões de CO₂ face aos combustíveis fósseis convencionais. Desta forma, contribuímos para uma economia de baixo carbono e verdadeiramente circular.
Atualmente, estamos a desenvolver um projeto-piloto em parceria com a academia, que nos permitirá fechar por completo o ciclo dos resíduos que recolhemos. Até ao momento, tratamos 99% dos resíduos, sendo que os restantes 1% (essencialmente lamas desidratadas resultantes das operações unitárias de tratamento) estão a ser estudados para serem também estes reaproveitados – o que nos tornará uma empresa 100% circular. Este é o reflexo do nosso compromisso com a investigação, a eficiência energética e a inovação industrial, onde garantimos que cada etapa do processo produtivo incorpora princípios de sustentabilidade e economia circular.
Temos uma abordagem integrada, que une inovação tecnológica, compromisso ambiental e colaboração entre empresas e academia. Acreditamos que é através deste esforço conjunto que se constrói uma transição energética sólida, competitiva e sustentável – e é por isso que continuamos a investir em processos mais limpos, tecnologias mais eficientes e soluções que reforcem a neutralidade carbónica na indústria.
Que tipo de investimentos considera essenciais para que esta transição energética seja viável?
A transição energética só será viável se for acompanhada por investimentos estruturantes, que sejam capazes de unir inovação tecnológica, sustentabilidade e competitividade económica. No meu ponto de vista, a aposta na circularidade é, sem dúvida, a mais importante e estratégica. Em primeiro lugar, porque a economia circular permite transformar resíduos em recursos valiosos para os diferentes setores, reduzindo assim a dependência e sobrexploração de matérias-primas virgens. A taxa de circularidade em Portugal situa-se, de acordo com os dados mais recentes, nos 2,8%, um valor que nos coloca substancialmente abaixo da média europeia (11,8%). Isto demonstra que existe uma margem enorme para progredirmos e podemos fazê-lo através da inovação tecnológica e de mecanismos regulatórios mais flexíveis, que permitam a contabilização de operações de circularidade, como é o caso da atividade desenvolvida pela Eco-Oil. É igualmente importante desmistificarmos quaisquer preconceitos que a sociedade possa ter relacionados à utilização de materiais produzidos a partir de resíduos.
Em segundo lugar, porque Portugal tem condições únicas para se afirmar como um laboratório europeu de circularidade aplicada à energia, com projetos pioneiros na produção combustíveis sustentáveis e no tratamento de resíduos. Temos o talento, conhecimento técnico e bons exemplos de empresas que se dedicam a desenvolver tecnologia aplicada à sustentabilidade. Falta-nos apenas maior ambição e mais mecanismos de apoio e, essencialmente, de estímulo à circularidade que permitiam uma diferenciação positiva, com ganhos reais para os utilizadores. Por exemplo, através de incentivos fiscais, para que o tecido empresarial português, maioritariamente constituído por micro, pequenas e médias empresas, consiga ter condições para fazer da sustentabilidade uma alavanca para crescimento e resiliência de um negócio.
A aposta em tecnologias limpas e o investimento estratégico em I&D, na simplificação de processos de licenciamento e em ferramentas para garantir operações mais eficientes são também áreas determinantes para que consigamos cumprir estas novas metas de descarbonização.
Que papel deve desempenhar a regulação e os incentivos públicos neste processo de transformação?
Sem uma regulação clara, estável e previsível, que forneça segurança jurídica e económica às empresas para investir em tecnologias limpas e em processos mais circulares, será impossível garantir o cumprimento destas normas ambientais. A definição de incentivos públicos, sejam eles fiscais, financeiros ou de apoio à investigação e reindustrialização, é crucial para acelerar a adoção de soluções que reforçam a importância de um melhor tratamento e valorização de resíduos, que promovam alternativas de baixo carbono e que fomentem cadeias de valor mais sustentáveis. Servem de balança de responsabilidades, mas também de fôlego estratégico para as empresas (principalmente de menor dimensão), oferecendo-lhes um conjunto de mecanismos que apoiem esta transição energética.
Um dos instrumentos mais eficazes e que vem ser reforçado com este novo acordo europeu é a fixação dos preços de carbono, atualmente entre 80€ e 90€ por tonelada de CO₂, que internaliza o custo ambiental das emissões e orienta decisões de investimento para alternativas mais limpas. Neste contexto, é essencial criar um quadro regulatório que valorize soluções complementares e que respondam às necessidades concretas de todos os setores, incluindo a indústria intensiva. Não se deve penalizar alternativas como os combustíveis de baixo carbono, que, apesar de ainda conterem uma componente fóssil, resultam do reaproveitamento e da reciclagem de resíduos, oferecendo um impacto ambiental imediato e significativamente menor do que outras soluções renováveis.
A regulação e os incentivos fiscais devem servir como uma alavanca estratégica e não como um fim. Quando bem desenhadas, permitem garantir que a sustentabilidade se traduz em ganhos reais para a sociedade e para a economia.
Na sua perspetiva, este objetivo de 90% é realista e alcançável dentro do prazo estabelecido pela União Europeia?
Alcançar a meta de redução das emissões em 90% até 2040 é, sem dúvida, um objetivo ambicioso, mas não impossível. Exige, como referi, um quadro mais favorável à inovação, com políticas públicas consistentes e adequadas a cada setor. Exige também um compromisso firme de todos os setores, especialmente aqueles mais difíceis de eletrificar, como é o caso da indústria.
Do meu ponto de vista, esta meta só será viável se as empresas tiverem acesso a mecanismos de apoio que tornem a transição algo economicamente viável e se este caminho for feito por meio do investimento em soluções inclusivas e que sejam combinadas num mix energético, de forma a reduzir as emissões sem comprometer a produtividade e a competitividade das empresas. Se as alternativas renováveis e a eletrificação, parecem ser as mais óbvias a longo prazo, não podemos excluir o uso de combustíveis de baixo carbono e a valorização de resíduos através da economia circular, que nos permitem descarbonizar, de forma gradual, setores intensivos em energia.
Só assim poderemos alcançar este objetivo. Dependerá muito da capacidade de Portugal e da União Europeia de ciar um ecossistema de inovação, financiamento e regulação eficaz.








































