Desde abril de 2023 no cargo de Presidente do Conselho de Administração da Águas do Tejo Atlântico, Nuno Brôco vê na inovação um fator crucial para modernizar um setor tão conservador como o das águas. Nesta conversa com a Ambiente Magazine, destaca a ação da entidade que lidera e a necessidade de agilizar os processos para atingir metas, além do evento “Caminhos da Inovação”, que a 25 de setembro irá “Desafiar o Óbvio”, na Fábrica de Água de Alcântara.
Que balanço faz do mandato até ao momento?

Ainda é um pouco cedo para fazer balanços, mas há um conjunto de situações que está diferente desde que assumi o cargo. Por exemplo, ainda este ano vamos ter um lançamento de concursos num valor que nunca fizemos na Tejo Atlântico – portanto há aqui um processo de investimento que está em aceleração e que depois vai ter consequência ao longo dos próximos anos. Há um tema que tem a ver com a digitalização dos nossos serviços e das nossas infraestruturas, que também está em curso. Estamos ainda a acabar uma grande empreitada de telegestão que nos vai dar uma capacidade de operação remota de uma parte muito significativa das nossas infraestruturas, e isso vai permitir evitarmos algumas deslocações e reduzir a pegada carbónica da nossa atividade.
Destacaria ainda a parte da gestão de ativos. Ao longo destes últimos anos, trabalhamos muito na estruturação da nossa gestão de ativos – temos uma organização diferente. Estamos hoje a fazer uma gestão do ativo mais preventiva do que reativa. Haverá certamente muitas outras áreas a destacar de coisas que estão a acontecer na empresa, mas isto é um caminho longo. Recebemos o legado da administração anterior, estamos a dar o nosso contributo, e deixaremos o nosso legado para o próximo Conselho de Administração.
E qual é o papel da inovação para a empresa?
Nós vemos a inovação sempre como uma preparação e procuramos ser uma empresa resiliente porque é isso que os nossos clientes exigem. Quando há algo que não está nos planos, queremos que a empresa tenha a capacidade de reagir e de não provocar distúrbio no serviço nem no ambiente – essa resiliência é preparada com processos vários e um deles é o da inovação. Na inovação nós tentamos perspetivar um cenário e encontrar a solução para esse cenário e é isso que a Tejo Atlântico tem feito ao longo dos anos.
Fomos pioneiros em algumas matérias no nosso país: trabalhámos muito o tema da reutilização e hoje, não com a intensidade que gostaríamos que acontecesse, estão a acontecer coisas nesta área e os desafios técnicos pode dizer-se que estão ultrapassados. Hoje temos tecnologia para fazer quase tudo o que queremos com a água reutilizada, inclusive bebê-la, e isso resultou de um processo de inovação.
Estamos agora a fazer esse processo para outros campos e temos a nova Diretiva das Águas Residuais Urbanas que vai entrar em força em termos de metas a cumprir a partir de 2030, e é um conjunto de cenários que estão perspetivados em termos estratégicos, mas não estão operacionalizados. Então estamos a preparar esse caminho, a trabalhar o tema dos poluentes emergentes, dos microplásticos, a remoção de nutrientes e o tema das lamas, este que é tão desafiante no nosso país.
E a inovação tem esse papel: testarmos cenários, ainda em ambiente controlado, e falhar. É muito importante na inovação ter esta noção de que há que falhar para conseguir acertar depois e encontrar soluções para depois implementar. Temos vários processos na Águas do Tejo Atlântico implementados que resultaram de processos de inovação.
E esta inovação está intrinsecamente ligada à tecnologia, ou há outros aspetos a considerar?

O nosso negócio é um negócio de capital intensivo e a verdade é que não fazemos omeletes sem ovos, e os ovos são muitos, do ponto de vista tecnológico. Nós ajudamos, por vezes, a desenvolver tecnologia, mas não somos fornecedores de tecnologia, por isso focamos muito nos processos, nas pessoas e na forma de trabalhar.
Uma das áreas onde estamos a inovar é a da comunicação, que é extremamente desafiante. Nós sabemos que a forma como comunicamos hoje, é muito diferente de como comunicávamos há cinco anos e vai ser muito diferente daquilo que teremos de para comunicar num futuro próximo.
Em 2024, e continuamos este ano, começamos a fazer uma revisão profunda aos nossos processos de gestão, ou seja, aquilo a que chamamos de processo de reengenharia de processos, e onde estamos a trazer inovação para dentro dos processos – não tanto a tecnologia, mas a forma como fazemos as coisas. Aquilo que percebemos é que tínhamos alguns processos que tinham sido desenvolvidos em 2017/2018 que estavam bem nessa altura mas que hoje tinham lacunas.
E o evento que organizam “Caminho da Inovação – Expo & Networking”, consiste exatamente no quê?
Este evento surgiu no primeiro ano da Tejo Atlântico. Pelo facto de ser uma empresa inovadora, diria desde a sua génese, e porque resulta da fusão de duas empresas e meia: a Simtejo e a Sanest, que tinham atividade de saneamento, e a atividade de saneamento das Águas do Oeste. Estas empresas já eram bastante inovadoras, duas delas da primeira geração de sistemas multimunicipais em Portugal, e tinham um ADN muito forte em termos de inovação. Então, quando a Tejo Atlântico surgiu, tomámos a decisão de criar um evento para despertar e catalisar a inovação no setor. E ele foi quase tão natural quanto a criação da empresa. Eu lembro-me que estava como não executivo no Conselho de Administração nessa altura e foi uma daquelas decisões que não mereceu discussão. Para nós, parecia-nos muito natural que esta empresa tivesse um papel ativo no setor da água português, para catalisar a inovação no setor, este que é bastante conservador do ponto de vista da tecnologia e é necessário haver elementos indutores da inovação. E a Tejo Atlântico assume-se como um desses elementos.
O que vai diferenciar a edição deste ano?
Algumas coisas ainda são segredo, mas estamos a preparar algumas novidades para este dia, 25 de setembro, que vai ser, mais uma vez, focado na inovação. Este ano temos o mote “Desafiar o Óbvio”, que é muito forte porque, de facto, em alguns setores mais conservadores como o da água, ouvimos por vezes “sempre fizemos assim porque vamos fazer diferente?”. E esta pergunta tem uma resposta: não mudamos só por mudar, mas importa repensar se aquilo que sempre fizemos é o que podemos fazer da melhor forma.
Posto isto, vamos ter uma oradora convidada, a nossa keynote speaker, que é a Angela MacOscar, que é a responsável da inovação da Northumbrian Water e que é uma pessoa que desafia muito o óbvio. Queremos trazê-la para nos inspirar, logo num primeiro momento, e depois vamos ter um conjunto de pessoas a refletir em torno deste mote.

Temos ainda uma surpresa durante a parte da manhã, e, comparativamente com as outras edições, para quem cá esteve, vamos ter um maior dinamismo durante a sessão, pois queremos pôr as pessoas a desafiarem-se mutuamente ao longo do dia inteiro. E terminaremos com algo também importante no nosso setor, que é um momento social, onde as pessoas trocam ideias, trocam desafios e estabelecem parcerias. Por tudo isto, e por tudo o que ainda não está revelado, aconselho a reservar a data e ousar partilhar o Caminho da Inovação connosco.
Este é um evento que permite encontrar soluções/respostas para diferentes escalas?
Nós gostamos que este evento inspire as diferentes entidades que por aqui passam. Ao longo dos anos, temos tido uma audiência de 400 pessoas, às vezes até mais, e portanto é sempre um evento de grande dimensão. Mas não esperamos ter receitas mágicas. Aliás, a inovação demonstra isso mesmo, que é necessário muitas vezes adaptar caso a caso. No entanto, há boas práticas e há reflexões que inspiram outros.
Convidamos sempre para este evento a academia, os nossos parceiros enquanto utilities, fornecedores de tecnologia, instituições de investigação, e um conjunto de pessoas que fazem parte da governance do nosso setor. E aquilo que nós gostaríamos mesmo era que, no final do dia, alguém se inspirasse com o modelo que aqui viu. Não vai, certamente, encontrar o modelo para o seu problema exato, mas que leve daqui a inspiração para poder catalisar a inovação também dentro das suas organizações.
Estamos aqui a falar sobre tentar encontrar soluções, mas mencionou, por exemplo, ter projetos que em 2017 eram viáveis e que atualmente já não o são. Sendo que ao longo do tempo os projetos podem ter lacunas, a questão de cumprir metas será possível do ponto de vista de poderem sempre aparecer estas barreiras?
O mundo está a evoluir tão rapidamente que nós cada vez mais temos dificuldade em perspetivar o futuro, e a inovação é sempre um trabalho feito para o futuro. Portanto, estabelecemos cenários futuros, trabalhamos para encontrar soluções para esses cenários e muitas vezes quando chegamos à solução, esse futuro que antecipávamos há quatro ou cinco anos já mudou. Assim, a inovação tem de ter cada vez mais a capacidade de ser flexível e de aproveitar também o trabalho feito do passado, porque, independentemente do cenário futuro ser distinto daquilo que se perspetivou, há conhecimento que se gera ao longo do projeto e que pode ser catalisado num outro projeto de inovação para afinar para aquele cenário que entretanto se veio a definir como o mais provável.
Qual o valor de investimento em projetos de inovação por parte da Águas do Tejo Atlântico?

Financiamos o nosso processo de inovação tipicamente por dois mecanismos: em primeiro lugar, aquilo que são os nossos recursos internos que afetamos a esta área e, que está incluído na tarifa, de alguma forma, o custo das nossas pessoas que fazem a inovação. E há uma tranche que tentamos maximizar que tem a ver com o financiamento a esta atividade.
Nos recursos externos procuramos financiamento, tipicamente, da Comissão Europeia, como o Horizonte, o LIFE, o Interreg, e temos vários projetos financiados desta forma. Temos ainda uma fonte de financiamento que é um fundo de inovação criado pelo Grupo Águas de Portugal em 2022, que também já nos financiou vários projetos. Depois, temos o financiamento a nível nacional: o Fundo Ambiental, que já nos financiou alguns projetos, e a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), que o tem feito cada vez menos. Enfim, são processos muito exigentes, burocráticos e mais dedicados ao tecido académico e menos ao tecido empresarial, que é onde nós nos localizamos.
Depois há uma parte que é um bocadinho a consequência, que tem a ver com os incentivos fiscais: há o sistema SIFIDE, ou seja, as empresas que fazem investimento em inovação têm, no ano fiscal seguinte, alguma redução da sua carga contributiva proporcional a esse esforço de inovação.
Há algum tema que gostava de destacar na Águas do Tejo Atlântico?
Pela sua relevância, as afluências indevidas. Isto são afluências de águas pluviais aos sistemas de drenagem de águas residuais, e que no final quando se misturam são águas residuais – e que continuam a ser muito elevadas no nosso país, não só no sistema da Águas do Tejo Atlântico.
Portanto, esse é um trabalho de fundo que continuamos a fazer, com resultados muito lentos, com uma progressão muito lenta, também com muito trabalho de alguns municípios que têm estado a fazer connosco e somos, então, parceiros em alguns projetos neste sentido. Um deles, por exemplo, foi apresentado pela Ministra do Ambiente, o PGDL (Plano Geral de Drenagem de Lisboa), no qual temos uma parte importante, aqui em Campolide. Enfim, é um trabalho de estruturação do setor, mas também um trabalho de continuidade.
Qual a sua posição em relação à estratégia “Água que Une”?
A estratégia “Água que Une” teve vários méritos. O primeiro, que eu destaco logo, tem a ver com a capacidade que houve de integrar os vários stakeholders nesta estratégia. Pela primeira vez, tivemos uma estratégia que foi apresentada e coordenada por um presidente do Grupo Águas de Portugal, o professor Carmona Rodrigues, mas que teve nesse grupo de trabalho, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e a agricultura através da EDIA. Portanto, é uma estratégia que congregou os vários grandes utilizadores de água.

Num segundo ponto, esta estratégia está muito dedicada àquilo que tem a ver com a eficiência hídrica. Neste caso, a Tejo Atlântico contribui com o tema da reutilização, visto que há objetivos bastante ambiciosos neste documento sobre esta área. Da totalidade da água que é reutilizada em Portugal, nós temos cerca de 50% dessa água, que em termos globais são números relativamente reduzidos, mas a Tejo Atlântico é um player forte no tema da reutilização e temos vários casos, com vários anos de experiência e com o ciclo completo feito. Temos, no fundo, a produção, o cumprimento dos aspetos regulatórios, do ponto de vista ambiental, das licenças, das análises de risco, tudo aquilo que é necessário para que um projeto destes seja levado a cabo. E depois temos uma parte muito importante, que é, do ponto de vista de regulação económica, isto é uma atividade complementária e acessória, ou pelo menos era, na sua origem, sendo que neste momento há um decreto que fez evoluir essa atividade, mas esta atividade tem de ser faturada a quem dela beneficie. Portanto, a Tejo Atlântico tem vários casos de negócio, quer com a Câmara Municipal de Lisboa, com o setor industrial, também com campos de golfe, onde, de facto, fornece esta água em qualidade e fatura pela água que fornece nos termos que estão estabelecidos.
Voltando à “Água que Une”, esta estratégia tem um ponto que me apraz muito, que tem a ver com esta perceção de que é uma estratégia para agir. Muitas vezes o nosso país tem estratégias bastante teorizadas e que têm uma capacidade de ser executadas relativamente baixa. Há um compromisso deste Governo que esta estratégia é para, de facto, ser concretizada. Nós precisamos que muitas daquelas medidas que ali estão sejam colocadas no terreno e que haja capacidade da sua implementação. Posto isto, esta estratégia é um instrumento essencial para o setor.
Mas quero dizer também, e isto é importante e um dos fatores que distingue o setor da água em Portugal, que tem havido, ao longo dos últimos 20 anos, uma continuidade, independentemente das cores políticas que estão no Governo, da visão estratégica relativamente a este setor. Têm passado vários partidos pelo Governo, mas mantêm uma coerência na linha estratégica e isso é essencial para um setor como o nosso, de capital intensivo, poder evoluir.
Como dizia que este é um setor um pouco conservador, que outros apoios podiam ser pensados para ajudar as empresas do setor no caminho da inovação?

Há um aspeto que é particularmente importante na implementação e a inovação beneficiará, certamente, se isto acontecer. A inovação é um processo que tende a ser ágil, e como dizia, cada vez mais os cenários que são estabelecidos mudam com o tempo e nos últimos anos percebemos isso com maior intensidade. Portanto, o setor tem de ter uma capacidade de agilidade e concretização superior à que tem neste momento. E há no nosso contexto nacional, mas também a nível comunitário, um conjunto de instrumentos regulatórios e leis que têm dificultado alguma agilidade nas empresas como a Tejo Atlântico e outras.
Um contributo importante para tornar este setor menos conservador, é que nós consigamos, enquanto país, enquanto União, agilizar alguns dos processos que temos hoje e que bloqueiam a capacidade de fazer mais destas empresas.







































