Em janeiro de 2025 fez um ano desde que a recolha de biorresíduos é obrigatória por parte dos municípios portugueses. Esta legislação leva as autarquias a tomarem cada vez mais medidas para estarem na linha da frente neste setor. Desta vez, a Ambiente Magazine ouve a posição de Cascais e do Barreiro.
Se ainda se questiona o que são exatamente biorresíduos, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) esclarece: “são os resíduos biodegradáveis de jardins e parques, os resíduos alimentares e de cozinha das habitações, dos escritórios, dos restaurantes, dos grossistas, das cantinas, das unidades de catering e retalho e os resíduos similares das unidades de transformação de alimentos”.
E qual é o compromisso dos municípios com esta tipologia de resíduos? Desde 1 de janeiro de 2024 que todos os municípios portugueses estão obrigados, sob o Regime Geral de Gestão de Resíduos, a operar a recolha seletiva de biorresíduos. Isto trouxe uma rápida necessidade das autarquias se reinventarem para dar resposta a este desígnio.
E o cidadão é chamado a contribuir, sendo mesmo uma parte fundamental para garantir que o município onde vive consegue proceder à recolha seletiva, que em muitos casos já começa a ser feita porta-a-porta, e onde o habitante encontra à sua disposição, por norma, contentores castanhos destinados apenas para esse efeito.
E segundo uma análise da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável), realizada no início deste ano, relativa aos dados recolhidos durante 2024, as cidades que têm optado pelo modelo de recolha porta-a-porta acabam por obter resultados acima da média, sendo que, em muitos casos, os resultados chegam a ser o dobro dos obtidos noutros sistemas utilizados, como é o caso dos contentores castanhos de proximidade.
Mesmo assim, de forma geral, o desempenho é insuficiente, sendo que muitos municípios ainda estão a trabalhar em formato de projetos-piloto, logo a recolha seletiva de biorresíduos poderá estar longe de chegar a 100% da população portuguesa.
Em 2024, os dados do Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal, produzido pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, dão conta que Guimarães, Seixal e São João da Madeira são os municípios que lideram as estatísticas, seguindo-se, com a inclusão dos resíduos verdes, a Maia e Ourique.

Mas há outros municípios a fazerem esforços para uma recolha mais eficaz dos biorresíduos e mais de um ano depois da obrigação, a Ambiente Magazine ouve a sua versão, como é o caso de Cascais, onde a gestão está a cargo da empresa municipal Cascais Ambiente.
Só no ano passado, Cascais registou uma diminuição dos resíduos indiferenciados encaminhados para aterro, sendo que, em comparação com 2023, foram produzidas menos 460 toneladas de lixo comum, uma variação de -0,54%. Para isto “contribui a deposição dos restos de comida domésticos em saco verde”, começa por explicar Luís Almeida Capão, Presidente do Conselho de Administração da Cascais Ambiente, acrescentando que a separação obrigatória está “implementada em todo o território de Cascais, e tem grande adesão da população”.
No final de 2024, tinham aderido ao sistema mais de 70 mil famílias, o que representa mais de 190 mil habitantes, ou seja, quase 89% da população. Esta participação ativa por parte dos cascalenses permitiu a recolha de quase 3,5 mil toneladas de biorresíduos domésticos, aos quais se juntaram mais 2,6 mil toneladas do circuito dedicado aos grandes produtores. No total, são mais de seis mil toneladas de resíduos que seguiram diretamente para a valorização orgânica e energética. Assim, face ao ano anterior, verificou-se um aumento de 30% no circuito dedicado e 59% no sistema de sacos verdes.
A recolha seletiva multimaterial também registou aumentos significativos. No ecoponto amarelo foram depositadas 4,3 mil toneladas de plástico e alumínio, e no azul colocaram-se 5,8 mil toneladas de papel e cartão.
Por sua vez, os “monstros” registaram um aumento na quantidade recolhida seletivamente de mais de 20,95% face a 2023, sendo que no total foram recolhidas seis mil toneladas de objetos fora de uso, desde colchões, a grandes eletrodomésticos e a mobiliário.
Ainda no ano passado, foram enviadas mais de 28 mil toneladas de cortes para reciclagem na Tratolixo, sendo “esse o nosso fluxo mais produtivo”. Depois deste material, “são os biorresíduos que já têm a maior fatia do que reciclamos em Cascais”.
“Significa isto que a nossa comunicação clara e a nossa abordagem individualizada os nossos munícipes está a dar frutos”, comenta Luís Almeida Capão.
Em relação ao material com menos peso nas contas de reciclagem do município, são as embalagens de plástico, metal e ECAL, “o que se explica pela própria natureza leve dos materiais”.
Mas o sucesso dos biorresíduos é “porque escolhemos um sistema de fácil implementação, utilizando os contentores e viaturas que já existiam, e usando as mesmas equipas”, esclarece o Presidente da Cascais Ambiente. “No fundo, otimizamos a recolha, sem acrescentar gastos na operação. Informámos e incluímos as pessoas num sistema que não requer esforço nem constrangimentos de horário”, acrescenta o responsável.
Mas a associação ZERO acaba por ter uma perceção um pouco diferente sobre este sistema adotado em Cascais e por outros municípios operados pela Tratolixo: “este sistema não implica nenhum tipo de controlo sobre a deposição correta e, na ausência de falta de instrumentos financeiros ou penalizações, quase não produz alterações ao comportamento do cidadão”, pode ler-se na análise feita pela ONGA no início deste ano. Além disso, considera que este sistema acarreta elevados custos de investimento para a implementação da infraestrutura necessária na alta, “desobrigando as entidades em baixa da responsabilidade de melhorar a recolha”.
Porém, Cascais demonstra-se otimista com a sua solução: “a taxa de crescimento médio dos biorresíduos recolhidos no último semestre de 2024 ronda os 25% quando comparado com 2023, e os primeiros valores de 2025 são muito animadores”, releva Luís Almeida Capão. “Ainda estamos a crescer na recolha de biorresíduos em sacos verdes. Temos o circuito de recolha dedicada para os produtores significativos, como cantinas e restaurantes, estável”, garante, afirmando ainda que “estimamos conseguir em 2025 atingir mais de 800 toneladas nos sacos verdes”.
E este uso dos sacos verdes foi comparticipado pelo Fundo Ambiental, visto que a Cascais Ambiente teve financiamento do POSEUR para a compra de baldes de sete litros para as casas dos cascalenses. Além disso, “no acompanhamento que fazemos aos munícipes, temos uma taxa de satisfação de 96% com este sistema”.
Em relação aos maiores desafios nos biorresíduos, Luís Almeida Capão refere que “o mais importante neste momento é avançar com a campanha nacional já referida pela APA em algumas conferências públicas, para alertar para esta separação obrigatório”. No caso de Cascais, o responsável garante que “o desconhecimento no nosso concelho é colmatado pela sensibilização porta-a-porta e pela comunicação nos nossos canais”. “Mas seria importante ter divulgação constante nos grandes meios de comunicação nacionais para reforçar o nosso trabalho local”, diz ainda.
Os biorresíduos de Cascais são recolhidos pelos camiões do lixo e entregues na Tratolixo. São nessas instalações que os sacos verdes são triados, através de um separador ótico e o conteúdo encaminhado para a central anaeróbia onde se transformam em composto e produzem energia. Por cada tonelada de biorresíduos, produz-se 332 kWh de energia elétrica e 148 quilos de composto.
Só no ano passado, através deste sistema, foi possível produzir 1,9 milhão kWh de energia elétrica e produzir 888 toneladas de composto de “alta qualidade” – “produzimos energia que equivale ao consumo anual de 1.659 casas portuguesas”.
Descendo cerca de 60 quilómetros até ao distrito de Setúbal, chega-se ao Barreiro, município que em 2024 garantiu o aumento da área territorial coberta com a recolha de biorresíduos, através do sistema porta-a-porta e de proximidade.

No ano passado, Rui Braga, Vice-presidente da Câmara Municipal do Barreiro, dá conta que se aumentou ainda a área de implementação da recolha bilateral, conseguindo cobrir a totalidade da área urbana do município e garantindo uma “recolha assídua” nos sete dias da semana ao longo de todo o ano (excetuando feriados).
No que diz respeito apenas aos biorresíduos, “todo o sistema implementado de contentores tem acesso condicionado, através de chapa de leitura e/ou cartão de acesso”, além de que foi instalado um sistema de semaforização em 10 equipamentos de proximidade de recolha de biorresíduos (numa área de elevada densidade populacional).
Foi ainda feita uma avaliação das necessidades de cobertura no âmbito dos resíduos têxteis e o desenvolvimento do projeto de recolha de cápsulas de café, que envolveu mais de uma dezena de pontos de receção. No entanto, este projeto, em concreto, só foi implementado em março de 2025.
Em relação às categorias mais e menos recicladas, segundo dados fornecidas pela AMARSUL, entidade em alta na gestão, a fileira mais reciclada é o papel e a que vai em sentido inverno é o vidro. “Tem-se verificado um crescimento da recolha das embalagens (plástico e metal) e papel, mas o mesmo não acontece no vidro, o que não quer dizer que haja menos reciclagem deste material”, explicita o autarca, acrescentando que “acredita-se que estejamos perante uma alteração dos comportamentos de aquisição, havendo um aumento das aquisições de produtos em embalagens de plástico e metal”.
Neste sentido, o município do Barreiro acredita “estar no bom caminho”, mostrando-se comprometido a usar “todos os recursos possíveis para cumprir com as metas preconizadas”. Isto é feito essencialmente através do recurso a fundos comunitários como o POSEUR, Fundo Ambiental, ENEA 2022, Fundo Ambiental Recolha Bio 2023, entre outros apoios.
Para 2025, Rui Braga conta que as metas passam por “continuar a aumentar a área coberta do município com a recolha de biorresíduos, quer com sistema porta-a-porta, quer com a contentorização de proximidade”.
Assim, o maior desafio passa por “sensibilizar a população para a importância da adesão à recolha de biorresíduos e, posteriormente, garantir que os aderentes produzem biorresíduos, ou seja, há muitos aderentes que acabam por não utilizar os equipamentos para deposição de biorresíduos”. “Também há a questão da disponibilidade de verba, de forma a garantir a existência de recursos que permitam aumentar a cobertura da área”, refere também o autarca.
De forma geral, a adesão ao sistema por parte dos barreirenses “tem sido positiva”, visto que em todos os núcleos trabalhados, a adesão foi superior a 50% em contentores de proximidade e na ordem dos 60% na recolha porta-a-porta.
Para continuar a aumentar estes números, o município do Barreiro tem realizado a campanha “Separar para ganhar”, mas considera que “seria igualmente importante haver uma campanha global de consciencialização para esta temática”.
O que falta fazer no setor?
Para Luís Almeida Capão, da Cascais Ambiente, é “fundamental implementar sistemas de custos reduzidos”, pois “o país não é rico e não podemos andar a desperdiçar recursos e financiamento para colocar mais contentores na rua e duplicar os circuitos de recolha, as equipas, os gastos com viaturas e combustível”. Assim, o responsável considera ser muito importante “racionalizar os custos das operações e foi por isso que escolhemos este sistema de co-coleção”.
“Além disso, para que as pessoas queiram fazer parte é fundamental criar sistemas cómodos, que não compliquem mais a vida das pessoas, com horários obrigatórios ou dias reguladas”.
Por fim, o presidente da entidade municipal crê que “a informação deve ser disponibilizada de forma totalmente transparente” e que “as campanhas de comunicação também deviam servir para isso: para transformar cada pessoa num conhecedor dos processos e num militante ativo da reciclagem”.
As metas ambientais europeias a que Portugal está sujeito, segundo o PERSU (Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos), para os anos de 2030 e 2035, são muito exigentes, sendo que a meta de reciclagem implica atingir os 60% e os 65% do total dos resíduos urbanos existentes para os respetivos anos, e a meta de deposição em aterro em 2035 não poderá ultrapassar os 10% da totalidade dos resíduos urbanos tratados.









































