Os recursos, de forma geral, são cada vez mais escassos e os impactos ambientais das nossas escolhas já não podem ser ignorados. A forma como lidamos com os resíduos está no centro do debate da sustentabilidade, visto que, todos os dias, toneladas de lixo são geradas por indústrias, comércios e consumidores. Mas e se o fim de um produto puder ser apenas o início de um novo ciclo? É o que a Ambiente Magazine procurou perceber – qual o papel da economia circular para diferentes entidades?
Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), os resíduos urbanos compõem-se de vários tipos de materiais e produtos em fim de vida, entre eles os materiais biodegradáveis/biorresíduos, o papel e cartão, e as embalagens de cartão para alimentos líquidos. E estes resíduos têm “origem num número de produtores bastante elevado e disperso, o que coloca desafios à sua gestão”.
Mas o que dizem diretamente as entidades que estão responsáveis pela gestão de resíduos em Portugal? Em que ponto está esta gestão e onde entra a economia circular na sua atividade?
A Tratolixo, empresa responsável pelos municípios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, considera a economia circular “um dos pilares estratégicos” da sua missão, visto que “temos vindo a implementar diversas medidas, a promover sinergias e a otimizar recursos, em concordância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) patentes na Agenda 2030 das Nações Unidas, e que visam potenciar o modelo circular do negócio”, começa por explicar o presidente, Nuno Soares, acrescentando que “esse modelo pressupõe a criação de valor no ciclo produtivo, caracterizado pela reintrodução do resíduo como recurso na cadeia de valor”.

Ativa há 36 anos, esta empresa intermunicipal “valoriza cada vez mais e melhor os resíduos recebidos, dispondo de várias infraestruturas especializadas e dedicadas ao seu tratamento”. Nuno Soares evidencia que a “valorização dos resíduos assenta no Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos, que envolve o tratamento, deposição final, recuperação e reciclagem de resíduos, a comercialização dos materiais transformados e outras prestações de serviços no domínio dos resíduos”. “Toda esta atividade é desenvolvida no respeito pelos princípios da Sustentabilidade e a aplicação da legislação e recomendações nacionais e internacionais em vigor para o setor”, garante.
Por exemplo, a Tratolixo foi pioneira em Portugal na recolha seletiva de biorresíduos, através do uso do saco verde que é colocado no contentor indiferenciado já existente, com o mesmo transporte de recolha indiferenciado e com recurso às mesmas equipas e sem lavagens acrescidas dos camiões. Isto permite poupar 300.000m³ de água/ano, bem como economizar cerca de 850.000 litros de gasóleo/ano ou seja 2.250.000kg de CO2, quando comparado com o sistema de recolha dedicada. E o que permite esta ação? “Gerar energia elétrica a partir do biogás produzido, resultante do desperdício de alimentos que entra em decomposição por ação de microrganismos num ambiente anaeróbio, sendo esta energia exportada para a Rede Elétrica Nacional como energia verde”, desenvolve o presidente da entidade, dizendo ainda que a atividade permite a produção de um composto orgânico de qualidade para ser aplicado na agricultura.
Outro exemplo é o mais recente protocolo assinado entre a Tratolixo, a Cascais Ambiente, o Município de Mafra, o Município de Oeiras, os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra e o Electrão, que visa a promoção da reutilização de produtos em fim de vida, em particular de equipamento elétricos e eletrónicos, têxteis e mobiliário, “que desta forma não chegam sequer a ser resíduo”.
Só nos primeiros seis meses deste ano, o sistema intermunicipal recolheu 252.973 toneladas de resíduos, um crescimento de 5,25% face ao mesmo período do ano passado. Só nos biorresíduos foram recolhidas 40.169 toneladas, das quais 3 mil provêm da utilização do saco verde, e que culminarão na produção do composto Campoverde Premium Green, na Central de Compostagem de Resíduos Verdes.
Já a recolha seletiva multimaterial da Tratolixo registou cerca de 23 mil toneladas recolhidas nos diferentes materiais (plástico, metal, ECAL, vidro e papel/cartão) provenientes do ecoponto, representando também um aumento de 2,30% face ao mesmo período do ano anterior.

No caso da Valorsul, responsável pelo tratamento e valorização de resíduos urbanos em 19 municípios da Grande Lisboa e da Região Oeste, o objetivo passa por “criar um sistema em que todos os materiais mantenham o seu valor no ciclo produtivo”.
Joana Xavier, Diretora de Transformação e Sustentabilidade, afirma que “a separação adequada na origem é fundamental: quando os resíduos são corretamente separados e depois encaminhados para reciclagem, os novos produtos mantêm padrões rigorosos de qualidade e segurança, criando materiais verdadeiramente circulares”. “É para este cenário que dirigimos os nossos esforços e investimentos, embora, coletivamente, em Portugal, ainda tenhamos um caminho significativo a percorrer”, aponta.
Nesta entidade, garante-se que plásticos, metais, papel, cartão e vidro depositados nos ecopontos são triados e encaminhados para as respetivas indústrias de reciclagem. O vidro é um caso de sucesso exemplar – “100% do material recolhido em Portugal é incorporado na indústria nacional para produção de novas embalagens, representando um modelo perfeito de economia circular com grandes benefícios na descarbonização”.
Além disso, a Valorsul foi pioneira no país na recolha seletiva e reciclagem de restos alimentares de restaurantes, cantinas e mercados. Desde 2005 que opera a Estação de Tratamento e Valorização Orgânica dedicada, onde estes resíduos são transformados em composto para a agricultura.
Para incentivar o compromisso da economia circular, a empresa desenvolveu iniciativas de sensibilização como a plataforma Reusemap, onde são mapeadas lojas, oficinas, associações e feiras dedicadas à reutilização: “queremos que quem procura adquirir ou desfazer-se de objetos pense primeiro em dar-lhes uma segunda vida”, clarifica Joana Xavier, mencionando ainda o projeto “Compostar, outra forma de reciclar”, disponível no website, com conteúdos para quem quer iniciar a compostagem doméstica.
Desta forma, na Valorsul, 27% de todos os resíduos recebidos são “verdadeiramente reintroduzidos na economia” e mais de 100 mil toneladas de materiais de embalagens são processadas anualmente nos Centros de Triagem. Também mais de 40 mil toneladas de restos alimentares e resíduos de jardim são alvo de valorização. Dos restantes resíduos, é possível a valorização energética de 372 GWh por ano.
Mais a sul, na Resialentejo, a economia circular “é uma prática consolidada que orienta decisões, investimentos, norteia as ações no terreno a forma como nos relacionamos com as comunidades que servimos”, diz Pedro Sobral, Diretor Técnico. “Ao apostar na modernização das infraestruturas e no reforço da sensibilização ambiental, a empresa demonstra como a economia circular é um motor de inovação e eficiência” – “um modelo que privilegia a redução do desperdício, a valorização de resíduos e a reintegração de materiais no ciclo produtivo, promove simultaneamente benefícios económicos, sociais e ambientais”, acrescenta o responsável.

A entidade, que gere o Sistema de Tratamento e Valorização de Resíduos Sólidos Urbanos do Baixo Alentejo, investiu cerca de 10 milhões de euros em projetos “que fazem e irão fazer a diferença no terreno e na prossecução das metas nacionais e europeias, contribuindo decisivamente para a redução da deposição em aterro e no incremento das quantidades de resíduos enviados para valorização”.
Atualmente, todos os resíduos urbanos geridos pela Resialentejo são processados. Em 2024, 6.870 toneladas de resíduos foram reencaminhadas para reciclagem, tendo sido valorizadas 6.500 toneladas de composto e encaminhadas para valorização energética mais de 390 de CDR (combustível derivado de resíduos). Para este ano, “é expectável que aumentemos estes valores”, avança Pedro Sobral.
“Mas o nosso projeto não é só tecnologia, é também educação e sensibilização. O nosso trabalho começa ainda antes da recolha, em casa, com a forma como cada pessoa separa os seus resíduos. Por isso, investimos na sensibilização da comunidade, promovendo ações nas nossas instalações, mas também em escolas e centros de dia, com vários eventos nos oito concelhos onde desenvolvemos a nossa atividade”, explica.
Assim, o objetivo para os próximos anos passa pela entrada em funcionamento das novas unidades que estão a ser construídas e pelo reforço do trabalho em rede com os cidadãos, municípios e outras entidades: “este trabalho em rede é essencial para que possamos ter os resíduos que precisamos, em quantidade e qualidade, para que as nossas unidades trabalhem de uma maneira eficiente, e também é essencial para que possamos ter destinos novos para os produtos produzidos nessas unidades”, aponta ainda Pedro Sobral, exemplificando com a parceria com a AMBILITAL, que vai permitir valorizar a fração resto das unidades, reduzindo a deposição em aterro, e a recuperação do vidro na fração 10-40 mm dos rejeitados da afinação do composto.
Guimarães: um exemplo circular
A Capital Verde Europeia 2026 tem trabalhado sem parar desde 2014, ano em que Guimarães começou a estabelecer um caminho para a descarbonização do território. “O processo iniciou-se com a criação de um roadmap baseado no contexto e na visão da nossa própria cidade, contemplando a integração desta componente nas nossas políticas e iniciativas, bem como investimento em conhecimento e capacitação”, começa por explicar Sofia Ferreira, Vereadora do Ambiente e Ação Climática, “mais do que uma abordagem ambiental, trata-se de um modelo inovador e de desenvolvimento sustentável que visa reduzir o desperdício e promover o uso eficiente de recursos, mantendo-os em uso pelo maior tempo possível, extraindo o maior valor destes enquanto estão em uso, e recuperar e regenerar produtos e materiais no final da sua vida útil”, continua.
Neste município a Norte do país, a economia circular é “, uma ferramenta essencial para acelerar a transição para uma cidade mais sustentável, resiliente e inovadora, alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e com a ambição de afirmar o território como referência internacional em sustentabilidade”. Além disso, é uma componente essencial para a conquista do título de Capital Verde Europeia.
Em Guimarães existe a RRRCiclo, ou seja, a estratégia global de Economia Circular assumida por Guimarães, e ainda o Plano de Ação para a Economia Circular, que pretendem “transformar os modelos lineares de produção e consumo em modelos circulares de partilha, reutilização, reparação e reciclagem, com a inerente redução do desperdício ao mínimo”.

Neste âmbito, o município é responsável para recolha seletiva de biorresíduos na origem doméstica, comunitária e até na hotelaria e restauração, que correspondem a cerca de 40% do todo o lixo produzido. Isto é feito através da distribuição de contentores específicos, agendamento de recolha e sensibilização da população, além da implementação do sistema PAYT (Pay-As-You-Throw): “com este sistema, a tarifa passa a estar indexada ao número de sacos de lixo utilizados, pelo que cada utilizador paga consoante a quantidade que produzir”, explica Sofia Ferreira.
Outros exemplos de projetos são os EcoPontas e PapaChicletes, que passam pela recolha e valorização de beatas e pastilhas elásticas em espaços públicos, que permitem salvaguardar as linhas de água, destino final de muitos destes resíduos.
Ainda em maio deste ano, Guimarães lançou o EcoQuiosques, que visa “revitalizar seis quiosques municipais atualmente sem concessão, transformando-os em centros de reparação, reutilização e valorização de materiais, promovendo a economia circular e o empreendedorismo sustentável”. Mas o município está a fazer muito mais.
A nível de resultados, entre janeiro de 2022 e setembro de 2025, foram recolhidas 22 mil toneladas de resíduos orgânicos, e graças ao sistema PAYT, desde 2016 foi verificada uma redução de 59kg/hab.ano de resíduos produzidos, um aumento de 197 kg/hab.ano de resíduos recicláveis recolhidos e de 44 kg/hab.ano de resíduos de embalagens recolhidos.
Guimarães foi ainda destacado no mais recente relatório de economia circular da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O estudo, que analisou 64 cidades e regiões da União Europeia, identificou o município como um exemplo de excelência, estando entre as cidades mais avançadas em todos os critérios analisados.
Nespresso e Sonae no compromisso com a sustentabilidade

Mariana Fernandes, especialista em Sustentabilidade da Nespresso Portugal, garante que a “economia circular é um pilar fundamental da nossa estratégia, pois significa olhar para os nossos produtos, nomeadamente as nossas cápsulas, não como resíduos, mas como recursos valiosos que podem e devem ter uma nova vida”.
“O nosso modelo assenta em duas frentes: por um lado, a borra de café, que é transformada em composto agrícola para enriquecer solos; por outro, o alumínio, um material infinitamente reciclável que é reintroduzido na indústria para criar novos objetos”. Disto é exemplo o programa solidário “Reciclar é Alimentar”, ativo desde 2010 – aqui as borras de café das cápsulas recicladas são usadas para fertilizar campos de arroz e esse arroz, adquirido pela Nespresso, é doado ao Banco Alimentar Contra a Fome.
Até 2030, a Nespresso quer aumentar a taxa de reciclagem de cápsulas para 60%, continuando a investir na rede de pontos de recolha para os consumidores da marca, sendo que neste momento estão em funcionamento mais de 130 em todo o país. “Além disso, mantemos o foco na inovação de produto, como o desenvolvimento de máquinas que utilizam plásticos reciclados, além de todas as cápsulas Nespresso que utilizam, pelo menos, 80% de alumínio reciclado na sua composição, embalagens mais sustentáveis, e na redução contínua da nossa pegada de carbono em todas as operações, alinhados com a nossa certificação como B Corp, que nos compele a uma melhoria contínua nos mais altos padrões de responsabilidade social e ambiental”, complementa Mariana Fernandes.
A nível global, a marca está a continuar a parceria de mais de 20 anos com a Rainforest Alliance, tornando-se na primeira a obter café de quintas certificadas segundo a nova norma de Agricultura Regenerativa da Rainforest Alliance: “este é um passo crucial para restaurar a saúde do solo e a biodiversidade nas origens do café, protegendo o futuro dos cafés de qualidade e das comunidades que deles dependem”. Os primeiros cafés Nespresso com este novo selo de certificação chegarão ao mercado já em 2026.

No caso da Sonae, Marta Tavares, especialista em Sustentabilidade da empresa, a circularidade é entendida como um “modelo económico que incentiva o consumo consciente, que promove a reutilização, reciclagem e regeneração, ao invés do simples descarte”. “. Ao promovermos a eficiência na utilização dos recursos, redesenharmos produtos e embalagens e prolongarmos a sua vida útil, estamos a contribuir para uma verdadeira economia circular, que beneficia a eficiência das empresas, a poupança dos consumidores, e o progresso sustentado do ambiente e da sociedade”, afirma.
Um dos principais objetivos da Sonae nesta área é eliminar plásticos de uso único das embalagens de produtos de marca própria e garantir uma taxa de reciclabilidade de 100% – “desde que formalizámos esse objetivo, há seis anos, conseguimos melhorar a taxa de reciclabilidade de 72% em 2019 para 91% no final do primeiro semestre de 2025”, comenta Marta Tavares.
“Em paralelo, estamos a trabalhar na crescente consciencialização dos consumidores para a importância da separação de resíduos e do seu encaminhamento para a reciclagem, pelo que lançámos recentemente a iniciativa «Falhar foi só o início»”, acrescenta, “além de reportar os nossos resultados e ambição com total transparência, esta iniciativa pretende alertar para a necessidade de redução do consumo de plásticos, reutilização e reciclagem”.
Em relação a resultados, a aposta da Sonae em produtos e serviços circulares gerou vendas de 190 milhões de euros em 2024. Adicionalmente, as práticas de “desperdício zero”, adotadas pela MC, evitaram o desperdício de bens alimentares no valor de 76 milhões de euros no ano passado. “Mais do que uma tendência, a circularidade prova ser um caminho sólido para transformar desafios ambientais em valor económico e social. As várias iniciativas têm confirmado, interna e externamente, que a inovação e responsabilidade podem andar de mãos dadas, criando impacto positivo e duradouro”, conclui a especialista em Sustentabilidade.







































