“A ferida de cão cura-se com o pêlo do mesmo cão” – ditado popular
Caso discutíssemos sumos de laranja e a nossa decisão fosse racional e informada, optaríamos pelos naturais – mais fibras e minerais, livres de corantes e conservantes, benéficos para a saúde…
Então porque tantos optam pelos em pó? Porque é mais rápido, menos trabalhoso, permite transmitir a mesma imagem saudável (“hoje bebi um sumo de laranja”) e às vezes até sai mais barato.
A questão é que nem tudo o que fazemos é racional e informado – quantos casamentos e divórcios se teriam evitado se assim fosse… –, vivemos na era do fast food intelectual, em que pensar e compreender, sendo lento e custoso, é trocado por receitas bem empratadas, generalizáveis, e rápidas e fáceis de aplicar.
É facto que ter pensamento crítico dá trabalho, estudar os assuntos é cansativo, desenvolver ideias é moroso. Mas… e se se saltar tudo isso, será que as soluções sê-lo-ão mesmo? E serão sustentáveis? E, finalmente, não será que, com o “sumo em pó”, se estará apenas a atacar as consequências e não as causas que as provocam, indo, a breve trecho, regressar-se à “casa de partida”?
Para ilustrar o “dilema” anterior, analisemos alguns exemplos simples, correspondentes a situações reais bastante comuns, bem mais do que grande parte da nata do Sector julga – ou opte, estrategicamente, por ignorar.
Exemplo 1: Uma determinada zona, que apresenta fugas e roturas recorrentes, é abastecida por uma torre de pressão que, por sua vez, recebe água de uma estação elevatória acoplada a um reservatório apoiado, adjacente ao primeiro. Pergunto: a melhor solução é continuar-se placidamente com a detecção (se possível com um exército de pesquisadores) e constante reparação de condutas, ou não seria melhor diminuir-se a área de influência da zona abastecida pela torre para aquela que é realmente necessária, consequentemente aumentando a do reservatório gravítico, reduzindo assim as pressões e consequentemente as perdas de água, o número de roturas e os gastos energéticos? A resposta parece óbvia.
Exemplo 2: Numa área com abastecimento controlado a montante por uma VRP, na zona de jusante a pressão apresenta grandes flutuações, sendo que, em determinadas circunstâncias, é até insuficiente para o abastecimento. Qual será a melhor solução: subir a regulação da VRP e continuar tudo como se nada fosse ou criar capacidade de transporte, reabilitando/substituindo algumas condutas a jusante da VRP, aumentando os diâmetros ou criando malhas (ou ambos)? Na primeira hipótese, a flutuação de pressões manter-se-ia, acrescendo que, com o aumento da pressão, as perdas de água, o número de roturas e a deterioração precoce das condutas também aumentariam, diminuindo ainda mais a sua vida útil. Na segunda o problema ficaria (bem) resolvido. Valerá a pena perguntar o que seria melhor fazer?
Exemplo 3: Numa rede com um bom zonamento e um centro de comando bem equipado em termos de hardware e software, uma das ZMC tem um elevado nível de perdas de água, sendo que as (principais) fugas são sempre rapidamente detectadas e reparadas por uma competente equipa. Sabendo que essa zona tem uma pressão média muito acima do que deveria, dever-se-á continuar eternamente nesse círculo vicioso? Não seria melhor primeiro optimizar patamares de energia antes de se continuar com infindáveis detecções e consertos? É que, note-se, cada fuga também serve de “válvula de alívio” e, ao ser reparada, a pressão aumentará e provocará o aparecimento de novas fugas. São perguntas retóricas, claro.
Então mas se temos problemas hidráulicos, porque não usar a Hidráulica para os resolver? Mistério…
Um último conselho do Dr. Google: em vez de sumos, opte por comer a fruta, evitando picos de glicose. Já agora, depois generalize. Pelize.
Por Rui Silva Santos, gerente e director técnico da RSS – Redes e Sistemas de Saneamento (O autor não escreve, por opção, de acordo com a Novilíngua, vulgo AO90) - Este artigo foi publicado na edição 113 da Ambiente Magazine.







































