Um estudo publicado pela ZERO, no âmbito do projeto LIFE TogetherFor1.5, conclui que Portugal afeta uma parcela insuficiente dos fundos da política de coesão à ação climática. A análise recorre à ferramenta de Investimentos Verdes do Quadro Financeiro Plurianual, desenvolvida pela Rede Europeia de Ação Climática de que a ZERO faz parte, e sublinha a necessidade de integrar métricas de custo-eficácia climática na aprovação dos projetos, de modo a garantir que cada euro de dinheiro público contribui para reduções mensuráveis e duradouras de emissões de gases com efeito de estufa, respeitando o princípio europeu “Não Causar Danos Significativos”.
O Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, reforçado pelo instrumento Next Generation EU até 2026, é determinante para colmatar as lacunas de investimento rumo às metas de 2030. A referida ferramenta escrutina a forma como os Estados-Membros mobilizam a política de coesão para a transição ecológica, estruturando a análise em seis categorias — renováveis, produção ecológica e investigação e desenvolvimento, eficiência energética, transportes limpos, biodiversidade e economia circular —, com subcategorias que permitem aferir a qualidade dos investimentos ao nível sectorial, servindo de avaliação ao seu alinhamento com os objetivos climáticos e de biodiversidade da União Europeia e para prevenir incoerências entre a ambição declarada e a execução orçamental.
Montante abaixo do necessário para a mitigação climática
Para Portugal, foram identificados 7.611 milhões de euros dirigidos à transição ecológica, face a 31.276 milhões de euros totais de fundos de coesão a preços correntes. O montante considerado verde fica abaixo do limiar de 30% – 9.383 milhões – que deveria ser aplicado apenas em ação climática, revelando uma distância considerável face à ambição necessária.
Em paralelo, as necessidades de investimento em Portugal para cumprir metas climáticas alinhadas com o objetivo europeu estão estimadas em cerca de 175 mil milhões de euros até 2030, o que evidencia um défice de financiamento a suprir por capitais públicos e, sobretudo, privados
. No plano europeu, a ferramenta aponta pelo menos 4.850 milhões de euros de fundos de coesão ainda afetos à economia fóssil, mas Portugal integra o grupo dos nove países em que isso não acontece, sinalizando coerência no sentido dos investimentos com as metas climáticas, embora incoerência do ponto de vista do seu volume.
Transportes limpos: primeira prioridade
Os transportes concentram 43,3% do investimento verde identificado, coerente com o seu elevado e ascendente peso nas emissões nacionais – 34% em 2023 –, o que ameaça o cumprimento das metas para 2030. No interior da rubrica, avulta o foco em infraestruturas urbanas (33,6%), embora persistam riscos de baixo custo-eficácia e potenciais incumprimentos do princípio de não causar danos significativos.
Entre os exemplos assinaláveis estão a expansão da linha vermelha do Metropolitano de Lisboa tal como está projetada, que suscita dúvidas pelo custo-eficácia do investimento; a opção por veículos de transporte rodoviários de passageiros a hidrogénio levanta questões de eficiência; as ciclovias só maximizam benefícios quando integradas em redes contínuas, ao passo que troços dispersos têm efeito limitado na transferência modal; e o envelope para combustíveis alternativos (22 M€) é claramente insuficiente perante as necessidades de 130–150 M€ para viabilizar a rede pública de carregamento de veículos pesados, conforme exigem os regulamentos europeus. Na ferrovia, modernizações e novas ligações só produzirão ganhos reais com maior utilização efetiva da rede, sendo aconselhável reforçar a digitalização e sinalização (ERTMS) pelo seu elevado potencial de capacidade e eficiência.
Eficiência energética: segunda prioridade
A eficiência energética representa 21,3%, valor alinhado com a média europeia e crucial para aliviar a pobreza energética. Contudo, observa-se um desequilíbrio: o financiamento para empresas é 25 vezes superior ao destinado a residências. Estima-se que as renovações profundas residenciais requeiram 72 mil milhões de euros – ou até 120 mil milhões se incluídos equipamentos – , muito acima dos 42 mil milhões que a ferramenta sinaliza. Assim, recomenda-se reforço do apoio ao parque habitacional, privilegiando medidas passivas e soluções com melhor relação custo-benefício social.
Energias renováveis: prioridades a afinar
Em renováveis, a fatia de 6,6% fica abaixo da média da União Europeia (13,7%), o que pode refletir a maturidade nacional do setor. Ainda assim, a ZERO recomenda redobrar o foco em armazenamento e redes, fatores-chave para viabilizar economicamente o solar. O financiamento público ao solar descentralizado em áreas artificiais – autoestradas, zonas industriais, canais de rega, reservatórios –revela maior interesse público, ao passo que o uso de biomassa para eletricidade quase não é financiado, o que é positivo face a aplicações mais nobres dos resíduos florestais, nomeadamente combustíveis para aviação e transporte marítimo.
Apesar de a repartição por categorias parecer coerente à primeira vista, a ZERO alerta para riscos de baixo impacto climático por euro investido e para eventuais violações do princípio de não causar danos significativos. A Associação defende que a Comissão Europeia consagre critérios explícitos de custo-eficácia na decisão de financiamento, avaliando reduções de emissões por unidade de investimento, e que intensifique o escrutínio ambiental e climático dos projetos. A barragem do Pisão e a já referida expansão do Metro de Lisboa são citadas como casos que requerem avaliação rigorosa e transparente.
A leitura dos dados reforça três prioridades transversais. Primeiro, governação baseada em evidência, com publicação sistemática de análises custo-benefício climáticas ao nível de projeto e metas intermédias até 2030, para permitir correções de rota atempadas. Segundo, sequenciação e coerência: investimentos em infraestrutura de rede e armazenamento devem preceder ou acompanhar a expansão de renováveis, e medidas de gestão da procura devem caminhar com a oferta, sob pena de se dispersarem recursos. Terceiro, equidade e impacto social: a eficiência energética no setor residencial tem co-benefícios em saúde, conforto térmico e pobreza energética, e requer desenho de programas que facilitem o acesso de famílias vulneráveis, canalizando verbas de forma mais equilibrada. Estas orientações estão alinhadas com as recomendações já enunciadas pela ZERO ao nível nacional e europeu.
A ZERO apela à reavaliação da distribuição interna dos fundos, à reorientação de verbas de baixa custo-eficácia para áreas com maior impacto líquido na redução de emissões e à integração de critérios DNSH e climáticos em todas as fases do ciclo do projeto. Em paralelo, recomenda-se reforçar instrumentos de monitorização pública – com relatórios regulares sobre emissões evitadas, utilização de infraestruturas e execução financeira – e promover participação cidadã e consultas públicas que melhorem a qualidade e a legitimidade dos investimentos. Ao nível europeu, a revisão da política de coesão no próximo QFP 2028-2034 deve elevar a ambição, estabelecendo uma meta de 50% de integração ecológica, a salvaguardas de metas ambientais claras e metodologias robustas para identificar investimentos verdadeiramente verdes e justos.








































