Por Filipa Oliveira, Sandrina Tralhão e Vanessa Biel, LEAP Consulting
“Subiu a construção como se fosse máquina/Ergueu no patamar quatro paredes sólidas /Tijolo com tijolo num desenho mágico /Seus olhos embotados de cimento e lágrima / Sentou pra descansar como se fosse sábado”
No poema Construção, Chico Buarque fotografa o olhar sobranceiro sobre a vida marcada pela rotina exaustiva, automatizada e despersonalizada da classe trabalhadora que entre urgência e precariedade, com total ausência de reconhecimento e dignidade, sente a morte mais próxima. A narrativa, toda ela esdrúxula, também de revolta, lembra-nos que colocar a dignidade humana no centro das operações de uma empresa não é moda, é humanismo.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8, definido pelas Nações Unidas em 2015, estabelece como prioridade promover o crescimento económico sustentável, inclusivo e duradouro, ao mesmo tempo que assegura emprego pleno, produtivo e trabalho digno para todas as pessoas.
Mas, o que se entende por trabalho digno? Um desempenho de funções que respeita os direitos humanos e promove o bem-estar, a saúde, a segurança, a equidade e o desenvolvimento dos trabalhadores.
O conceito, representa, assim, uma convergência entre oportunidade produtiva, remuneração justa, segurança no trabalho, igualdade de oportunidades, proteção social e liberdade nas organizações.
Quando olhamos à nossa volta e para o mundo em geral, ainda que de forma mais ou menos (des)igual, tal não se verifica. Um salário mínimo que não respeita subsistência nem, tão pouco, sobrevivência. Desigualdade salarial, por género. Desigualdade de oportunidades, por género e diferença. Alienação de jovens do mercado laboral. Persistência, inconcebível, do trabalho infantil. E do trabalho escravo. Do assédio laboral. Entre múltiplas outras violações dos direitos laborais. E humanos.
O ODS 8 é um apelo à mudança. Uma chamada para a importância da implementação de políticas que fomentem atividades produtivas, empreendedorismo, criatividade e inovação, além do incentivo à formalização e crescimento das micro, pequenas e médias empresas.
Empresas: agentes incontornáveis na concretização do ODS 8
Por que as empresas são agentes incontornáveis na concretização do ODS 8?
Porque são as empresas que garantem, ou não, condições dignas de trabalho. Ambientes laborais seguros. Condições laborais dignas. Progressão na carreira. E salários justos. Promovendo, ou não, satisfação. Saúde Física Mental. Empoderamento. Qualidade de vida. E oportunidades.
São as empresas que promovem, ou não, inclusão, com todos os ganhos decorrentes. E promovem, ou não, diversidade, através da adoção de políticas que favorecem a contratação de grupos, ainda hoje marginalizados. Promovendo, ou não, a menor dependência de apoios sociais. E o menor risco de vulnerabilidade e pobreza da população.
São as empresas que erradicam, ou não, práticas abusivas. Assédio laboral. Trabalho infantil forçado. Promovendo, ou não, Saúde Mental. Desenvolvimento ótimo das crianças. Escolaridade, de cada criança e de todo um país, motor de desenvolvimento.
São as empresas que promovem, ou não, direitos iguais a todos os colaboradores. Momentos de escuta. E de resposta adequada. Promovendo, ou não, empatia. Conciliação da vida pessoal, familiar e profissional. Negociação. Cuidado. Suporte.
Mas a implementação de boas práticas, mais do que uma questão de justiça, legalidade ou cuidado especial para com os colaboradores, é uma estratégia win-win. Porque não são só os colaboradores que ficam a ganhar. Quem melhor conhece a empresa? Os procedimentos e os processos? As idiossincrasias das equipas? Os timings? As melhores estratégias para fazer acontecer mesmo quando tudo parece desabar? Os colaboradores. O verdadeiro capital da empresa. Neste sentido, garantir trabalho digno alavanca motivação, que, por sua vez, alavanca produtividade. E neste patamar, ganha, também, a empresa.
Caminhos para a Implementação do ODS 8
Assumimos a ousadia de dizer que será sempre mais fácil o caminho para o trabalho digno, do que o seu reverso. Porquê? Está escrito. É só seguir.
Direitos do Homem e Declaração Universal dos Direitos Humanos. É nestes princípios fundamentais porque universais, inalienáveis e interdependentes que todos os restantes deverão assentar.
No mundo laboral, destacamos a necessidade de equidade, diversidade e inclusão. De igualdade de oportunidades ao nível da integração no mercado de trabalho, da progressão na carreira ou da assunção de cargos de liderança, independentemente da raça, género, orientação sexual, idade, religião ou deficiência. De igualdade salarial, com atribuição de salário igual, para igual desempenho de funções. Da promoção de uma cultura baseada em valores humanos, respeito, cooperação e ética, com reconhecimento dos esforços e conquistas dos colaboradores. Da obrigatoriedade da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal. Do combate ao assédio moral e sexual, com canais de denúncia eficazes e ações educativas. Por fim, urge a total intolerância para com o trabalho infantil, trabalho escravo, discriminação ou condições degradantes.
Está escrito. É só seguir. Código do Trabalho. Deste, salientamos a necessidade de respeito por contrato legais, por horários legalmente estipulados e pela remuneração justa.
Mas os colaboradores precisam de mais. Precisam de ambientes de trabalho seguros e saudáveis. Para tal, é necessário implementar normas de segurança, oferecer equipamentos de proteção individual, sempre que necessário, promover ações de saúde física e mental.
Precisam de se sentir parte integrante da empresa, pois só assim vestem a camisola. Assim, as empresas devem estabelecer canais de comunicação direta entre liderança e colaboradores, incentivar a formação de comissões internas e dialogar com representações sindicais.
Por fim, a empresa deve garantir que todos os anteriores princípios de atuação são replicados em toda a sua cadeia de valor. Por uma questão de responsabilidade. E de reputação.
Promoção do Trabalho Digno e Crescimento Sustentável, urge!
Integrar os objetivos de desenvolvimento sustentável na estratégia corporativa não é, só, responsabilidade ética. É uma estratégia de negócio inteligente e, cumulativamente, uma oportunidade para as empresas se destacarem num mercado cada vez mais exigente.
No que concerne ao ODS 8, este visa, não só, criar empregos, como garantir que esses empregos são dignos, produtivos e sustentáveis.
Porém, e a acrescer, promover ambientes de trabalho justos e inclusivos atrai cada vez mais investidores, atrai e retém talento e demais stakeholders, aumenta a produtividade, reduz riscos, reforça a reputação (66% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por marcas socialmente comprometidas), abre portas a financiamentos mais vantajosos e contribui para uma economia global mais justa e resiliente.
Assumir políticas com real compromisso com a dignidade humana é, assim, uma via para construir organizações mais resilientes, inovadoras e responsáveis. Porque negócios que investem no bem-estar dos seus colaboradores tendem a ser mais resilientes, adaptáveis e preparados para os desafios do mercado.
Fica escrito. É só seguir. O trabalho digno é o alicerce fundamental de qualquer estratégia empresarial moderna.









































