Por Leonor Sales, Consultora em Sustentabilidade e Financiamento Climático
Portugal gasta mais de 600 milhões anualmente a combater incêndios. Os países do Sul pagam a quem protege as florestas.
Todos os verões, o drama repete-se: hectares de floresta desaparecem em chamas, vidas e economias locais são destruídas. Entre 2015 e 2024, Portugal registou em média 12 mil incêndios rurais e mais de 120 mil hectares ardidos. Só em 2024, o Estado gastou 638 milhões de euros no sistema de gestão de fogos. ¹ Ainda assim, todos os anos ardem mais de cem mil hectares.
O problema está na forma como (não) gerimos a floresta. Portugal tem uma das estruturas fundiárias mais fragmentadas da Europa: mais de 90 % da floresta é privada, repartida por cerca de 500 000 proprietários, muitos com parcelas inferiores a dois hectares. A floresta é também vista como um ativo de baixo rendimento. A ausência de ordenamento coerente agrava o problema: planos municipais desarticulados, burocracias e custos que afastam proprietários que, muitas vezes, vivem longe das suas terras.
Portugal investe hoje quase 650 milhões de euros por ano no sistema de fogos. A maior parte é gasta a reagir, não a prevenir. Transformar parte desse dinheiro em incentivos à conservação seria uma verdadeira mudança de paradigma: menos fogo, mais floresta, mais rendimento local e mais carbono retido.
Em vários países africanos, latino-americanos e asiáticos, há programas que tratam a floresta como parte da solução. Um dos mais emblemáticos é o REDD+ (Redução das Emissões por Desflorestação e Degradação Florestal), mecanismo criado pelas Nações Unidas que recompensa financeiramente os países que reduzem a desflorestação através de pagamentos baseados em resultados. Estas estratégias reforçam os direitos sobre a terra, combatem a exploração ilegal e canalizam recursos para as comunidades locais, criando emprego verde. O sucesso do REDD+ depende, contudo, de uma boa governação, da participação das comunidades e de um financiamento estável e transparente. Quando estes pilares se cumprem, o programa demonstra resultados concretos: menos desflorestação, mais rendimento rural e maior conservação da biodiversidade. Até hoje, o UN-REDD já mobilizou mais de 3 mil milhões de dólares em 65 países. ³
O primeiro grande programa de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) surgiu na Costa Rica em 1997. A ideia era simples: quem protege o ambiente presta um serviço à sociedade e deve ser remunerado por isso. Os proprietários recebem pagamentos diretos se mantiverem florestas, solos e água. Financiado por impostos sobre combustíveis e pela venda de créditos de carbono, o programa já beneficiou mais de 18 000 famílias e protegeu 1,3 milhões de hectares. ⁴ O modelo espalhou-se: existem hoje mais de 550 programas de PSA no mundo. ⁵
Portugal, em vez de gastar centenas de milhões por ano a apagar incêndios, poderia remunerar quem previne, conserva e gere. Um estudo de 2022, encomendado pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática, coordenado pelo investigador Miguel Bastos Araújo, já propunha a criação de um mercado voluntário de créditos de biodiversidade e mecanismos de fiscalidade verde. ⁶
À semelhança do que já se faz noutros países do Sul, Portugal poderia criar um mercado que pague populações e agricultores pelos serviços que prestam aos ecossistemas.
Transformar parte dos 650 milhões anuais gastos em fogos em incentivos à conservação seria uma verdadeira mudança de paradigma. Não é preciso inventar a roda, mas olhar para os outros países, e adaptar soluções que já funcionam — com uma mentalidade aberta e pragmática.
O combate aos incêndios começa muito antes do primeiro fogo: na economia rural e na forma como valorizamos o nosso capital natural.







































