A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) está a acompanhar com preocupação o aumento de projetos de energia renovável (particularmente centrais solares e parques eólicos) em zonas ecologicamente sensíveis, “frequentemente suportados por Estudos de Impacte Ambiental (EIA) desajustados e deficitários, em desconformidade com as boas práticas de Avaliação de Impacte Ambiental e com a legislação nacional e comunitária de conservação da natureza”.
As aves planadoras, em particular as aves de rapina, são dos grupos mais diretamente afetados pela colisão com aerogeradores e/ou pela colisão e/ou eletrocussão com as linhas elétricas, devido ao seu comportamento de voo, elevada longevidade e baixa produtividade. “A mortalidade nestas infraestruturas pode afetar populações já fragilizadas, sobretudo quando os projetos são instalados nas suas áreas de reprodução, alimentação ou dispersão/migração”, pode ler-se no comunicado enviado à imprensa.
Atualmente estão em avaliação de impacte ambiental vários projetos com forte impacto territorial e ecológico para o interior do Algarve, nomeadamente: Projeto de Hibridização da Central Fotovoltaica de Alcoutim (Solara4); Projetos Eólicos de Hibridização das Centrais Fotovoltaicas de Viçoso, Pereiro, São Marcos e Albercas; Central Solar Fotovoltaica do Pereiro e respetiva linha de muito alta tensão; Parque Eólico de Silves e Parque Eólico de Cachopo. Somando os projetos em análise e já operacionais, prevê-se a instalação de 110 aerogeradores numa área de cerca de 500 km².
“A transição energética não pode ser feita à custa da biodiversidade. A forma como estes projetos estão a ser planeados compromete décadas de esforço na conservação de espécies emblemáticas e o seu futuro”, afirma Rita Ferreira, Técnica Sénior de Conservação.
Assim, a SPEA alerta para o risco da instalação massiva destes projetos no nordeste algarvio, uma região crucial para a conservação de espécies ameaçadas e protegidas pela legislação nacional e europeia como a águia-de-Bonelli, a águia-imperial-ibérica, a águia-real e o grifo.
Lacunas graves nos processos de avaliação de impacte ambiental
A SPEA alerta ainda para as fragilidades dos EIA, nomeadamente destes projetos de hibridização, os quais apresentam falhas graves, como a ausência de estudo de alternativas de localização, análise insuficiente dos padrões de voo e uso do espaço pelas aves planadoras, subestimação do risco de perturbação dos casais reprodutores e do risco de colisão, e a subvalorização dos impactes cumulativos. “Ambos os projetos preveem aerogeradores a apenas 1 km de ninhos ativos de águia-de-Bonelli e de águia-imperial-ibérica, sem analisar os seus efeitos no abandono do território e na dinâmica populacional a nível regional, nacional e ibérico”.
O Parque Eólico do Malhanito, com 29 aerogeradores, situa-se no corredor de dispersão e migração do nordeste algarvio, próximo dos projetos agora em avaliação. Segundo o Relatório Final da Monitorização de Aves e Quirópteros, entre 2013 e 2016, foram registadas 8 mortes de grifos, com estimativas corrigidas de 9 a 10 por ano. Implantado em zonas de vales encaixados e cumeadas que originam correntes orográficas e térmicas que concentram o movimento das aves planadoras, o parque expõe-nas a um elevado risco de colisão, um impacto evitável mediante uma ponderação mais criteriosa da localização do projeto.
Para minimizar a mortalidade por colisão com aerogeradores, os EIA propõem como medida central a instalação de sistemas automáticos de deteção e paragem de avifauna (ADS), baseados em vídeo e inteligência artificial. “Estes sistemas, pouco testados e de eficácia incerta, não podem justificar a instalação de aerogeradores em zonas ecologicamente inadequadas, violam o princípio da hierarquia de mitigação previsto na legislação europeia, que primeiramente exige evitar e só depois minimizar e compensar”, diz ainda a SPEA.
“A transição energética é essencial, mas deve assentar em Avaliações de Impacte Ambiental idóneas e robustas, que assegurem o cumprimento da legislação ambiental e a salvaguarda da biodiversidade. A ausência de alternativas viáveis, a pressão para licenciamentos rápidos e a desvalorização dos impactes sobre o património natural comprometem a credibilidade e a confiança nestes processos. Os projetos devem ser compatíveis com os valores ecológicos dos territórios em que se inserem e não impostos a comunidades e ecossistemas já vulneráveis. Compete à Administração Pública garantir a aplicação do princípio da precaução, a avaliação rigorosa de alternativas e a transparência institucional, garantindo que o interesse público prevalece sobre interesses económicos de curto prazo”, refere a sociedade.
Organizações como a Fapas, Geota, Liga para a Proteção da Natureza, Quercus e WWF Portugal subscreveram este comunicado.








































