A associação ZERO acaba de comunicar que apresentou uma queixa contra o Estado Português à Comissão Europeia, por permitir a descarga de resíduos urbanos em aterro, sem que os mesmos tenham sido sujeitos a tratamento prévio, nomeadamente através da separação prévia e da estabilização dos resíduos orgânicos, estando em incumprimento de uma regra europeia que está em vigor desde 2014, assim como da legislação nacional.
Da análise dos dados relativos à gestão dos resíduos urbanos em 2024, foram identificados 28 aterros que estão a trabalhar à margem da lei, tendo a ZERO enviado cada um desses casos para avaliação por parte da Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).
Na sequência do Acórdão do caso Malagrotta de 2014, relativo a Itália, foi clarificado no direito comunitário que os aterros não podem receber resíduos orgânicos sem serem previamente estabilizados, pelo que se a mesma lei europeia for aplicada a Portugal, a multa em causa pode ascender a centenas de milhões de euros.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 24/2024, através do Regime Jurídico de Deposição de Resíduos em Aterro, também proíbe a deposição nos aterros de resíduos que não tenham sido objeto de tratamento prévio, sendo que esse tratamento deve incluir uma seleção adequada dos diferentes fluxos de resíduos e também a estabilização da fração orgânica.
A ZERO relembra que ocorreu um caso em que uma autoridade ambiental, a CCDR do Centro, com o acordo da APA, cumpriu a legislação em vigor e impediu o licenciamento da admissão de resíduos orgânicos numa nova célula do aterro da Resilei em Leiria, por não estar prevista a estabilização desses resíduos.
Para além disso, o próprio relatório do Grupo de Trabalho, criado para a preparação do Plano TERRA para os aterros de resíduos, reconhece que é ilegal a colocação em aterros de resíduos orgânicos não estabilizados e que, ao permitir essas práticas, Portugal, tal como aconteceu à Itália, está altamente sujeito a incorrer num processo de infração por violação da legislação comunitária sobre aterros.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em 2022, emitiu uma nota técnica, aparentemente com o objetivo de possibilitar o incumprimento desta legislação até 1 de janeiro de 2026. Na opinião da ZERO, este documento da APA não é válido, porque não se pode sobrepor a uma regra europeia, nem à legislação portuguesa.
Tratamento Mecânico e Biológico: uma solução eficaz, rápida e económica
A associação defende que, para Portugal resolver rapidamente o problema das ilegalidades nos aterros, deve ser feita uma aposta no tratamento integral dos resíduos urbanos antes da sua descarga nos aterros, através do Tratamento Mecânico e Biológico (TMB), sendo que o país já possui unidades de TMB de última geração, como é o caso do TMB da Resialentejo em Beja, a qual apresenta uma taxa de desvio de aterro da ordem dos 70% e permite tratar todos os resíduos orgânicos, tornando evidente que, reforçar o número e a eficiência destas unidades, é fundamental para reduzir a pressão sobre os aterros e fazer cumprir a lei.
Esta solução iria igualmente dispensar o investimento em unidades de incineração, cujo custo pode chegar aos 1,5 mil milhões de euros e que, para além de serem uma grande fonte de emissão de gases de efeito de estufa, prejudicando o clima e o desenvolvimento da reciclagem, também demoram muito tempo a ser instaladas, não resolvendo, em tempo, o problema do enchimento dos aterros.
Os resíduos urbanos são constituídos em cerca de 40% por resíduos orgânicos, pelo que a sua deposição nos aterros, sem qualquer tipo de tratamento prévio, vai dar origem à libertação de odores, à proliferação de agentes vetores de doenças, como insetos, roedores ou aves e à produção de águas residuais (lixiviados) altamente poluentes e de difícil tratamento.
Por outro lado, a colocação nos aterros de resíduos orgânicos não tratados tem como consequência a libertação de gás metano que é um gás de estufa que provoca a subida da temperatura do planeta e as consequentes alterações climáticas.
A título de exemplo, por receber muitos resíduos orgânicos, o aterro atualmente existente em Portimão é responsável por 55% das emissões de gases de efeito de estufa libertados naquele concelho.
Os 28 aterros com ilegalidades
As ilegalidades detetadas referem-se à descarga direta de resíduos urbanos em aterro ou ao tratamento incompleto dos resíduos orgânicos.
Da avaliação feita, verifica-se que as situações mais problemáticas são as que ocorrem nos aterros da Ambisousa em Lousada e Penafiel e da Ecolezíria em Almeirim, nos quais são descarregados todos os resíduos urbanos indiferenciados sem qualquer tipo de tratamento prévio.
Num segundo nível, surgem vários aterros, em que uma parte dos resíduos sofre tratamento prévio num TMB e a outra vai diretamente para o aterro. Neste grupo, as situações mais graves, pelos quantitativos descarregados ilegalmente nos aterros, são as que ocorrem nos aterros da Algar (Loulé e Portimão), Amarsul (Palmela e Seixal), Ersuc (Aveiro e Coimbra), Resinorte (Boticas, Celorico, Lamego e Vila Real), Suldouro (Santa Maria da Feira) e Tratolixo (Mafra).
Finalmente, num terceiro nível, surgem 13 situações em que os quantitativos descarregados ilegalmente nos aterros são menos significativos.
Em relação ao aterro da RSTJ (Resitejo) na Chamusca existem algumas dúvidas sobre o seu funcionamento, pelo que ainda terá de ser feita uma avaliação complementar.
Os únicos aterros em que se pôde confirmar que não há descarga de resíduos orgânicos não tratados são os da Gesamb (Évora) e da Resialentejo (Beja).







































