A guerra na Ucrânia desencadeou uma crise energética, impactando fortemente a Europa e Portugal. A inflação dos preços da energia obrigaram à aceleração de respostas mais sustentáveis, limpas e renováveis e essencialmente à preocupação com a autoprodução e autoconsumo de energia.
Mais de um ano depois do arranque do conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, o setor da energia continua a caminhar no sentido de se tornar numa fonte alternativa limpa face ao uso de petróleo e gás, por exemplo: “Portugal continua a ter uma dependência energética de energias primárias de cerca de 70%”, diz Raul Santos, CEO da Sunenergy, que reforçou, de qualquer forma, que o país, no primeiro trimestre de 2023, supriu 75% das necessidades de eletricidade através de alternativas renováveis. Um avanço importante, tendo em conta que Portugal e outros países europeus estão fortemente dependentes das energias fósseis, essencialmente provenientes de mercados como o russo.
Na opinião de Ana Rita Antunes, coordenadora executiva da Coopérnico, a crise energética “alertou os decisores políticos para a necessidade de aceleração da transição energética que já sabíamos ser necessária para combater as alterações climáticas, mas agora via segurança de abastecimento”. E a Comissão Europeia (CE) iniciou resposta a este problema, começando com sanções à Rússia e depois procurando tentativas de compensar a dependência que muitos países europeus, incluindo Portugal, têm das energias fósseis daí provenientes.
A CE “aprovou medidas estratégicas de preparação do médio-longo prazo, nomeadamente o RePowerEU, com o objetivo de reduzir esta dependência, através da melhoria da eficiência energética, da aposta nas energias renováveis e nas tecnologias de armazenamento de energia, como o hidrogénio”, explica Raul Santos, da Sunenergy.
Em relação à energia fotovoltaica, a CE “pretende duplicar a capacidade instalada até 2025 e atingir 750 GW até 2030. Quanto à energia eólica, o objetivo passa por saltar dos 190 GW de potência instalada, verificada em maio de 2022, para 480 GW até 2030, com ênfase também no offshore”, diz Pedro Amaral Jorge, CEO da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis). Todavia, “apesar deste recorde anual, é necessário que o ritmo aumente significativamente para assegurar os 750 GW e os 480 GW de capacidade solar fotovoltaica e eólica onshore e offshore, respetivamente”, refere ainda o responsável.
Relativamente a Portugal, reconhece-se já a existência de programas plurianuais de financiamento, o PT2020 e o PT2030, “que foram ainda mais direcionados para estas áreas da eficiência energética e das renováveis, apoiando investimentos das empresas, das entidades do setor público e também das famílias nestas áreas, como na instalação de painéis solares para autoconsumo”, afirma Raul Santos.
Com isto concorda o CEO da APREN, que declara que “o Governo está muito empenhado em promover e acelerar a transição energética e tem adaptado a legislação para tal”: exemplos dados são “o Decreto-Lei n.º 15/2022, que unifica num só diploma a organização e funcionamento de todo o Sistema Elétrico Nacional, e o SIMPLEX, Decreto-Lei n.º 11/2023, que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais em geral, com ênfase concreto nos centros electroprodutores renováveis”.
A isto acrescenta-se ainda a medida temporária do mecanismo ibérico, em vigor até 31 dezembro de 2023, que pretende “limitar o preço do gás natural para produção de eletricidade, protegendo consumidores sem contratos de tarifa fixa de eletricidade” – uma resposta à crise energética iniciada com a invasão russa à Ucrânia.
Um ano depois…as lições tiradas
Para a coordenadora executiva da Coopérnico não há dúvida que “a lição principal é a de que a segurança de investimento e o combate às alterações climáticas são a mesma face da moeda da transição energética A produção local de energia renovável tem de ser a nossa aposta enquanto país e enquanto União Europeia. Famílias e empresas devem ter uma primeira preocupação: produzir energia para consumo próprio, ou seja, passarem a «prosumidores». Só com a aposta em autoconsumo vamos conseguir baixar e estabilizar a médio prazo as nossas faturas de eletricidade”.
Já o CEO da Sunenergy acredita que “Portugal tem condições únicas para ser um exemplo nesta área”, essencialmente com a aposta da energia solar fotovoltaica que ajudará na crescente autonomia nos consumos de energia: “na indústria, os equipamentos a gás têm de ser gradualmente substituídos por equipamentos elétricos alimentados por painéis solares instalados na cobertura dos edifícios”.
Para Pedro Amaral Jorge, “esta situação sublinha, uma vez mais, a necessidade de uma maior independência energética do país, que apenas pode ser alcançada com o reforço da capacidade instalada de centros electroprodutores com base em tecnologias renováveis, que possam contrabalançar a hídrica, principalmente nos períodos sazonais menos favoráveis. É necessário, também, que sejam instalados sistemas de armazenamento de energia proporcionais à potência renovável a instalar e que se definam os mecanismos de contratação de flexibilidade da produção e do consumo no sistema elétrico”.
“Caso não tivessem ocorridos os sucessivos atrasos no desenvolvimento dos projetos solares fotovoltaicos, o cenário poderia parcialmente ser menos gravoso”
A verdade é que, neste momento, Portugal não pode desperdiçar as medidas propostas pela Comissão Europeia em matéria de licenciamento”, acredita o CEO da APREN, acrescentando que “falta implementar o balcão único, conhecido por one stop shop, para que os procedimentos de licenciamento fiquem centralizados numa única plataforma acessível a todas as entidades envolvidas no processo”.
Mesmo com esta questão, os projetos de transição energética continuam a avançar. A Coopérnico, garante Ana Rita Antunes, irá abrir em breve novos projetos fotovoltaicos para consumo em IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) e empresas cooperantes, onde os membros da cooperativa “serão chamados a investir”.
Por sua vez, a Sunenergy espera atingir as 30 delegações até ao final de 2023, e tem ainda projetos para Espanha nos próximos meses: “estamos também a criar uma rede de carregamento de viaturas elétricas, constituída sobretudo por equipamentos de carregamento ultrarrápido, estando alguns já em funcionamento, nomeadamente em Santarém, em Palmela e Vila Real, mas pretendemos inaugurar em breve outros, nas cidades da Guarda, Évora e Viana do Castelo”, explica o responsável.
Mas é necessário relembrar os principais desafios na implementação e aceleração das energias renováveis: a “escassez de disponibilidade de rede para ligar novas centrais renováveis e a urgente necessidade de capacitação das entidades oficiais encarregues do processo de licenciamento, tanto em recursos técnicos como humanos”, evidencia Pedro Amaral Jorge.
“A eletricidade renovável em 2022 conseguiu reduzir a tarifa de eletricidade aos consumidores com base em dois contributos cruciais: o efeito da ordem de mérito e o sobreganho gerado face aos preços do mercado grossista”. A verdade é que as energias renováveis têm “um custo marginal zero ou muito próximo do mesmo, o que contribui para a inserção de ofertas de eletricidade a um custo inferior no mercado”, continua o CEO da APREN. “De acordo com a ERSE, durante 2023, os consumidores domésticos irão beneficiar de um sobreganho de 2,5 mil milhões de euros de receitas do diferencial de custo da PRE (Produção em Regime Especial), maioritariamente renovável, pelo que podemos concluir que sim, é uma aposta viável”, conclui.
*Este artigo foi incluído na edição 99 da Ambiente Magazine