“Qual a visão em relação ao pacote “Fit for 55” desde o seu nível de ambição à sua aplicabilidade em Portugal?”. Esta foi uma das questões levantadas por Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN (Associação Portuguesas de Energias Renováveis), numa das mesas redondas “Fit for 55 – a nova ambição europeia”, promovida na Portugal Renewable Energy Summit 2021.
Para Carlos Zorrinho, eurodeputado do Partido Socialista, trata-se de um pacote que tem de ser enquadrado num conjunto de outras ações legislativas: “Temos a base jurídica e temos a base financeira, mas para que tenha sucesso, o “Fit for 55” tem que ter uma outra componente importante, isto é, tem que ser percebido pelas pessoas como algo positivo e tem que ter a vontade das mesmas”. Por isso, a aplicação do pacote tem que ser justa: “Tem de incluir incentivos às famílias e às empresas e uma sincronização clara entre aquilo que é a transição e aquilo que são as componentes de compensação da transição”. Quanto ao nível da ambição, o eurodeputado não tem dúvidas de que é a “adequada”, a “necessária” e a “realista”, não podendo ser outra: “A União Europeia (UE) é a potência global mais dependente energeticamente, o que lhe retira capacidade de competir e autonomia estratégica. Depois, acresce que esta ameaça é, ao mesmo tempo, uma oportunidade: “Só temos possibilidade de ultrapassar esse défice se investirmos fortemente nas energias limpas e na descarbonização”, sucinta.
O nível de ambição partilhado por Carlos Zorrinho é o mesmo que o da eurodeputada do Parlamento Europeu, Graça Carvalho, que o descreve o mesmo como elaborado e complexo: “Precisamos de ser ambiciosos nesta luta contra as alterações climáticas. Temos de dar o exemplo e a Europa tem feito isso”. Uma vez que o “Fit for 55” está, neste momento, no Parlamento Europeu, cabe a este o papel de o melhorar os aspetos mais críticos: “É um pacote que tem pouca atenção ao custo da energia e, se compararmos com as políticas dos EUA, onde o objetivo é diminuir o custo do solar em 70% em dez anos, vemos que não existe essa preocupação”. Depois, outro bloqueio tem que ver com o facto de ter “pouca relação com o estado da arte das tecnologias existentes”, isto é “temos que ter uma maior ligação entre o pacote em si e os meios que temos para atingir esses objetivos”. Em relação a Portugal, os transportes e os edifícios são, de acordo com a eurodeputada, os setores com maior dificuldade na aplicabilidade do pacote. Já nos aspetos positivos, Graça Carvalho destaca que, em relação a outros pacote antigos, o “Fit for 55” distribui mais o “peso” da transição energética, olhando para os vários setores da sociedade, como a “agricultura”, por exemplo, algo que, no passado foi feito na “indústria e na produção de energia e de eletricidade”.
Para Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, não há muitas alternativas, a não ser ter uma “proposta legislativa abrangente” do ponto de vista da respostas à emergência climática: “É uma resposta que precisa de ser urgente porque não temos tempo nem condições para continuar no modelo de desenvolvimento que temos tido até agora”. E para que a “Lei do Cima” seja concretizável, é precisa a tal “abrangência legislativa”, afirma, destacando que, uma das partes positivas, do “Fit for 55” é que, pela primeira vez, lida com a “complexidade” do que é uma resposta à emergência climática: “Contudo, lida de uma forma desigual e não suficiente”. Na visão de Marisa Martins, o pacote assenta numa lógica muito orientada para o “mercado”, tendo uma uma “preocupação social” muito reduzida: “Sabemos que a eficiência energética implica cuidar daquilo que é o consumo energético e implica investimento para que as pessoas possam melhorar as suas condições”.
A ambição da UE volta a ser reforçada por Nuno Melo, eurodeputado do CDS-PP, que não parece ter dúvidas de que a Europa é o “bloco de estados” que mais se tem comprometido e mais eficácia tem tido, quer nos compromissos, quer nos resultados: “Uma redução de 55% até 2030 em comparação os níveis 1990 é um enorme desafio”. E no “Fit for 55” fala-se de “treze propostas legislativas” de áreas tão diversas como a “agricultura”, a “aviação”, a “energia” ou a “indústria automóvel” que, no entender do eurodeputado, terá um impacto nos “próprios modelos económicos à escala global”, mas um “modelo económico de mercado que a UE perfilha”. É assim um pacote que necessita de ser aplicado com “muita inteligência” uma vez que terá “grande impacto” do ponto de vista “laboral, social” e, também, de forma díspar na Europa: “Apesar de se negociar em bloco, a UE tem em si países com realidades completamente diferentes”, atenta. Por isso, apesar da ambição, o eurodeputado reforça a importância do pacote ter uma aplicação inteligente no mercado para que Portugal seja “competitivo” no mercado externo e interno.
Apesar de todos compreenderem a pertinência da redução de emissões, Sandra Pereira, eurodeputada do PSD, refere que aquilo que o “Fit for 55” antecipa não permite perspetivar “mudanças na essência da política ambiental” da UE que tem motivado várias críticas: “Este pacote mantém a centralidade na competitividade e no aprofundamento do mercado interno, o alargamento do mercado de carbono, a socialização das externalidades negativas, a manutenção dos paradigmas de mobilidade, a liberalização da energia ou a retirada de mecanismos de soberania dos Estados”. A ideia defendida por Sandra Pereira é que “a ambição da UE materializa uma urgência de transformação que não é apenas formal e que visa a afirmação acelerada do capital das grandes empresas europeias em mercado em desenvolvimento de modo a assegurar a sua competitividade”. E um bom exemplo disso é a mobilidade: “Em nenhum destes documentos há a alteração do paradigma de mobilidade como forma de combate às alterações climáticas e, aquilo que temos é modos de locomoção rodoviária individuais em vez de transportes coletivos”. Em suma: “É substituir aquilo que são os carros individuais movidos a um combustível fóssil e, também, qual é o preço ambiental desta alteração, se não alterarmos o paradigma de mobilidade”, lamenta.
[blockquote style=”2″]Para uma empresa como a Autoeuropa a transição vai significar fechar portas[/blockquote]
Já à pergunta “como assegurar que Portugal não se atrasa na corrida à descarbonização”, Carlos Zorrinho reconhece que Portugal tem “políticas claras” e um “largo consenso político no caminho da transição verde e da descarbonização”. A isto acrescem os recursos financeiros, com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o quadro de financiamento plurianual a terem um papel de extrema relevância nos “muitos recursos financeiros” que dispõe, refere. Por outro lado, Portugal é precursor nestas matérias: “Teve custos, mas conseguiu experiência, qualificação e temos áreas de excelência que são reconhecidas na Europa e no mundo, sendo a gestão das redes um bom exemplo”, precisa. Já nos aspetos menos positivos, o eurodeputado acredita que Portugal precisa de um “golpe de asa de governance”, ou seja, “este processo não se compadece com abordagens verticais ou burocracias”, sendo preciso criar uma “task-force” para a mudança que envolva “Governos, autarquias, empresas, faculdades” e que “permita esse processo de pertença e de participação” na transformação.
Por seu turno, Graça Carvalho aponta a questão das infraestruturas como uma das fragilidades do país: “Uma boa aplicação do próximo quadro de apoio e do PRR se cumprir os objetivos de ter como prioridade a transição verde pode combater essa fragilidade”. O “capital humano” é também um aspeto crítico. Nas duas transições – energética e digital – assiste-se a uma “falta de especialistas” no país: “A necessidade de atrair mais engenheiros no caso da transição energética é essencial”. E nestas matérias, a eurodeputada destaca ainda a dificuldade em “atrair mulheres” para a área: “Precisamos de dar competências básicas à nossa população, mas precisamos de muitos engenheiros e especialistas”, reforça.
Já Marisa Martins olha para as “políticas de desinvestimento” como um entrave: “Não é uma questão que possa permanecer se houver vontade política e investimento para combatê-las”. A Portugal faltam “políticas concretas e reais” para a transição energética, que sejam capazes de “ultrapassar limitações”, como as “rendas excessivas de energia” e que apostem na “descentralização da própria produção elétricas”, mas que esta possa ser ancorada em redes de distribuição. Nas “infraestruturas” há, de igual forma, um “caminho a fazer” não só em Portugal, mas também na Europa e, nomeadamente, no que diz respeito ao “armazenamento” e à “distribuição” das energias renováveis, acrescenta. Para a eurodeputada, trabalhar numa política de transição energética que seja “consequente” com aquilo que são os objetivos implícitos nesta legislação, passa pela “varolorização das energias renováveis”, por “combater a especulação associado aos mercados emissores de carbono”, por “permitir que haja condições de produção e distribuição” de armazenamento: “Neste momento, não estão a ser desenvolvidas essas capacidades”, atenta.
Quando se olha para os maiores poluidores do mundo, Nuno Melo refere que a UE não está sequer no grupo das três potências – China, Estados Unidos da América e Índia – e que Portugal está muito atrás dos países europeus que mais poluem. Portanto, a grande questão prende-se, essencialmente, em saber-se aplicar o “Fit for 55” da melhor forma: “Portugal tem um dos menores poderes de compra da UE, mas tem um dos mais altos preços dos combustíveis e da energia, sendo que todos os países se preocupam com transição energética”. A questão é: “É uma ação inteligente? Não é! E o impacto é equivalente? Obviamente que não!”. E continuando com estas respostas, a transição vai ter um impacto nefasto para muitas empresas: “Sabemos que o advento do elétrico e do hidrogénio implicará veículos com muito menos peças, ora para uma empresa como a Autoeuropa ou para outras que hoje existem por causa da tipologia de veículos clássicos, previsivelmente fecharão portas”. Mais uma vez, “temos de perceber que se a negociação é global, o impacto vai ser setorial (países), muito diferenciado e mais negativo”, alerta, prevendo que “será muito difícil assegurar que Portugal não se atrase em relação a outros países da UE na aplicação deste pacote”.
Com a política da UE, Sandra Pereira acredita que a tendência será de “aprofundar a centralização da capacidade produtiva”, onde já esteja instalada e onde já haja trabalhadores qualificados: “Isso coloca Portugal numa situação muito frágil porque não partimos todos do mesmo ponto”. Desta forma, a eurodeputada defende uma “política de coesão séria” que seja capaz de “integrar a necessária transição energética”, de “contribuir para uma ocupação territorial efetiva conjugando investimentos nas redes de distribuição com capacidade energética em diversas escalas” e de “utilizar as fontes mais apropriados para o perfil e potencial socioeconómico e demográfico de cada região”. Sem que haja esta “noção” da coesão territorial, não se pode falar em transição energética: “Aquilo que estamos a ter é uma degradação e encarecimento dos serviços de forma atabalhoada, sem planeamento estratégico nem preocupação social e económica”. Por isso, “mais do que o enfoque na competitividade”, aquilo que faz falta é uma “política pública de energia” que tenha a “visão da coesão territorial e social integrada”, remata.