A CESDA (Comissão Especializada de Sistemas de Distribuição de Água) da APDA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas) escolheu a cidade de Santo Tirso para debater a “Redução de Perdas – Um Desafio ao Alcance de Todos” durante dois dias (6 e 7 de junho) juntando vários especialistas para falar de um tema que nunca pareceu tão atual, até porque se insere no “quadro das crescentes preocupações” sobre como encontrar soluções e medidas que devem ser tomadas face à grave escassez de água que afeta Portugal, a Península Ibérica, a bacia do Mediterrâneo e a Europa.
Quem o diz é Rui Godinho, presidente da APDA, que atenta na importância de se dar uma “maior atenção”, algo que é requerido por todos, para que “não só olhemos para o que se está a passar”, mas “interpretarmos bem o porquê de aqui chegarmos e como trabalhar para enfrentar”. Esta é, portanto, uma “realidade sistémica” confirmada por vários especialistas nacionais e internacionais: “No que toca à gestão de água e escassez de água, estamos a viver uma fase sistémica, uma terminologia que consta de documentos oficiais e que se instalou e veio para ficar”.
Relembrando as conclusões proferidas em março passado por António Guterres na Conferência das Nações Unidas, o presidente da APDA chama a atenção para o facto desta “realidade sistémica”, como as “perdas de água” ou outras áreas de intervenção fundamentais no sistema de água e abastecimento, são da responsabilidade de todos: “Os que têm responsabilidade sobre as decisões desta matéria, desde logo a nível político, seja nacional, internacional, regional ou local”.
Voltando à temática deste 5.º Encontro CESDA, a escolha de Santo Tirso prende-se, precisamente por, tal como a Trofa, serem municípios que já atingiram indicadores muito importantes: “É resultado de um trabalho estruturado a tempo, levado a cabo com persistência, conhecimento e souberam avançar significativamente no combate às perdas de água e desperdícios”. Apesar do caminho percorrido por estes municípios, o responsável atenta que o mesmo não acontece com os serviços de água e saneamento em Portugal, que estão a sofrer, desde há muitos anos, dificuldades sérias que se expressam em vários indicadores. E um deles, precisa Rui Godinho, tem de ser olhado de frente, em que “Dois terços das entidades gestoras de água e saneamento em Portugal” não registam lucros, sendo “uma realidade que dificulta a aplicação de muitas soluções que carecem de dimensão e de escala para poderem ser eficientes”. Aliás, “é uma situação que tem de ser paulatinamente alterada”, pois “dificulta a qualidade dos serviços que prestam”, afirma o responsável, acrescentando que, “é neste contexto que se insere uma dificuldade crescente de obter adequados indicadores de perdas de água e de água não faturada: elementos fundamentais para se garantir uma gestão sustentável”.
“É preciso começar de uma forma estruturada e sistemática a intervir”
Também a “reabilitação” e a “renovação das redes” é um assunto que o presidente da APDA não quis deixar de alertar: “Não podemos continuar a viver com 0,6% de extensão de condutas de água por ano a serem reabilitadas e, no que toca aos coletores de saneamento, o indicador é ainda mais preocupante, 0,2% ao ano”. Para Rui Godinho, “esta situação não pode continuar, sob pena de não conseguirmos evoluir para nenhum indicador minimamente aceitável. Estes indicadores implicam que, para começarmos a vencer esta situação e a mudarmos de paradigma, 2 mil quilómetros de rede necessitam de intervenção no muito curto-prazo no que toca aos sistemas em alta”, refere, destacando que, “no que toca às condutas em baixa, são 37 mil quilómetros de rede que precisam de, no muito curto-prazo, ser iniciada a sua reabilitação ou renovação”. Reconhecendo tratar-se de uma trabalho que “demora anos”, Rui Godinho é perentório: “É preciso começar de uma forma estruturada e sistemática a intervir”.
Neste âmbito, a APDA propôs, na altura da elaboração do PRR, a necessidade da “elaboração de um plano estratégico de reabilitação de ativos”, o qual não foi possível acomodar os investimentos necessários a este tipo de intervenções: “Estamos numa fase de preparação do PT 2030 e penso que é altura, de uma forma consistente e correta e que seja visível e com efeitos práticos, considerar um apoio significativo que nos falta para a maior parte das intervenções que são da responsabilidade de autarquias ou municípios que, no seu conjunto, não têm capacidade para intervir de uma forma sustentável”, alerta o responsável. Por isso, dos “37,7 mil milhões de euros que estão previstos nos vários programas europeus de apoio ao país, certamente que não será difícil encontrar a possibilidade de afetar pelo menos os dois mil milhões de euros a esta urgência que a APDA propôs, mas sem sucesso: nem que seja de uma forma faseada e, que não seja por causa disso, que não se faça reabilitação”, apela o responsável, lembrando que, em Portugal, “há know-how para que este financiamento seja eficaz e eficientemente utilizado”.
O 5.º Encontro CESDA decorre na Fábrica Santo Tyrso, em São Tirso.
Leia mais aqui:
“Não pode haver facilitismos: o stress hídrico exige novos e expressivos investimentos”