

#Opinião: “O consumo de água em ano de seca severa: uma breve reflexão”
Em 31 de janeiro de 2022, Portugal contava com 99% do seu território em situação de seca, concretamente, 4,2% do território em seca severa, 11,5% em seca extrema e 53,7% em seca moderada. Também em consequência disso, até fevereiro de 2022, os armazenamentos por bacia hidrográfica apresentavam-se inferiores à média dos anos 1990/91 a 2020/21, exceto para as bacias do Douro, Vouga, Guadiana e Arade.
Face a este cenário, o Governo tomou diversas medidas destinadas a assegurar volumes necessários para o abastecimento público, enquanto uso prioritário, pelo que foram definidas cotas/volumes de água a partir da qual os outros usos podem ficar condicionados, quer seja a produção de energia ou a rega.
Assim, foi determinada a interdição, com exceção para a manutenção dos sistemas, da produção de hidroeletricidade nas barragens de Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Vilar/Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode, quando essas cotas forem atingidas, bem como a cessação da utilização de água para rega, na albufeira de Bravura.
Em relação ao setor agrícola, foi decidido que deve ser reforçada a monitorização dos aproveitamentos hidroagrícolas e as barragens de natureza privada, e ainda, retomada a participação dos agentes do setor agrícola nas reuniões das subcomissões, no âmbito da Comissão de Gestão de Albufeiras, bem como a continuação dos estudos para determinar as soluções técnicas para rebaixar a cota de captação na albufeira de Santa Clara.
Pese embora a situação de seca deva revestir um problema a nível nacional, a preocupação deve começar em cada casa, em cada momento que cada um de nós abre a torneira, tendo em conta que a este gesto corresponde uma fatura.
Quanto aos serviços de abastecimento de água e saneamento de água, importa ter em conta que alguns municípios os mantêm sob a sua gestão direta, pelo que assumem todo o risco associado a este serviço, enquanto outros escolhem a opção de uma gestão indireta, em que o investimento, parte do risco e as operações são assumidas por privados remunerados por tarifas estabelecidas num processo público concorrencial.
A Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, que aprova a Lei da Água consagra, no seu artigo 82.º, que o regime de tarifas a praticar pelas empresas concessionárias de serviços públicos de águas obedece aos critérios do n.º 1, da Lei da Água, visando ainda assegurar o equilíbrio económico-financeiro da concessão e uma adequada remuneração dos capitais próprios da concessionária, nos termos do respetivo contrato de concessão, e o cumprimento dos critérios definidos nas bases legais aplicáveis e das orientações definidas pelas entidades reguladoras.
Note-se que este equilíbrio pode acarretar a definição de um valor mínimo garantido, que se traduz num montante mínimo anual a faturar pela concessionária a cada utilizador municipal, que resulta da aplicação do caudal mínimo garantido à tarifa em vigor em cada ano, e que constitui uma condição essencial para o equilíbrio económico-financeiro da concessão.
Assim e para este equilíbrio resulta um risco, que pode ser assumido pelo Município ou transferido, diretamente, para os habitantes e comerciantes.
Contudo, o artigo 8.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho – Lei dos Serviços Públicos prevê uma proibição de consumos mínimos, o que introduz desafios acrescidos caso se pretenda transferir o risco para os habitantes ou comerciantes.
Sem dúvida que o equilíbrio entre o uso racional da água e a responsabilidade pelo custo que o abastecimento de água representa é uma discussão complexa e que carece não apenas de uma solução legal sobre os consumos ou sobre as concessões (que pode, e deve, ser encontrada, melhorada e concretizada), mas sobretudo de um apelo à existência de políticas públicas ambientais e de comportamentos ambientais particulares que se complementem em especial no ano de seca severa que vivemos.
Pedro Vaz Mendes junta-se todos os meses à Ambiente Magazine para dar o seu testemunho sobre assuntos ligados ao meio ambiente.
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