A sustentabilidade na indústria ainda suscita muitas dúvidas, principalmente em setores que, pelas características, dificultam ainda mais a transição. Perceber o “estado da arte” da indústria como um todo quanto à sustentabilidade foi o objetivo deste trabalho, onde procuramos respostas junto de vários stakeholders ligados à indústria.
Não há “outra solução” se não a sustentabilidade. Para Mário Parra da Silva, Presidente, da Associação de Ética Empresarial (APEE), a sustentabilidade é o único caminho para o desenvolvimento futuro: “A indústria portuguesa tem sabido adaptar-se, de acordo com as orientações da Agenda 2030 e dos ODS e foi algo que começou a ser imposto pela cadeia de valor pelos clientes”. Assim, os empresários têm vindo a a sustentabilidade como uma variável do negócio, “oferecendo soluções adaptadas”. Ao nível de evoluções, o presidente da APEE destaca que, do ponto de vista Ambiental, “as empresas adotaram as políticas nacionais e as da União Europeia, ao nível da descarbonização e circularidade nos abastecimentos”. Depois, a nível da Igualdade, houve uma “evolução muito positiva” no que respeita “à participação das mulheres”, refere.
“Um tema muito atual e, cada vez mais, desenvolvido e trabalhado pelas empresas, especialmente, as indústrias”, refere Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP (Associação Empresarial de Portugal), algo que se comprovou no primeiro Congresso Portugal Empresarial dedicado à temática: “Os testemunhos empresariais aí apresentados permitiram confirmar”. Esta preocupação com a sustentabilidade tem vindo a intensificar-se desde o início do século e, nos últimos anos, entrou no léxico empresarial: “Inicialmente, apenas as muito grandes empresas manifestavam preocupação em agir ativamente em prol da sustentabilidade”. Atualmente, a quase totalidade conhece o tema e os conceitos básicos associados: “No caso das empresas industriais, é reconhecido que os desafios associados são consideravelmente maiores, atendendo a que o impacto na sociedade e no meio ambiente é significativo e requerem investimentos significativos”.
Fiscalidade e enquadramento regulatório como entraves
É precisamente nos desafios que Mário Parra da Silva chama a atenção para a fiscalidade que não é favorável à sustentabilidade: “As políticas públicas estão de costas voltadas em relação à Agenda 2030. A falta de incentivos às empresas impede que haja “um maior investimento em práticas sustentáveis e tecnologias limpas, o que pode dificultar a adoção de soluções sustentáveis”, atenta o presidente da APEE, que acredita que o caminho pode ser acelerado através de “benefícios fiscais”, com a Estado fazendo “influência através da compra pública”, fazendo com que tenham em conta os fatores ESG.
O enquadramento regulatório, na União Europeia é muito exigente quanto ao respeito pela sociedade e pelo ambiente, considera Luís Miguel Ribeiro, destacando que as empresas industriais sentem que estas regras “acabam sempre por condicionar o seu posicionamento competitivo” e não estão a ser seguidas concorrentes de outras regiões do globo, nem mesmo quando os produtos “entram” em território europeu. Para o presidente da AEP, as apostas na sustentabilidade implicam a realização de investimentos significativos e que melhoram a competitividade: “Tratando-se de uma aposta estratégica da União Europeia, e pretendendo Portugal ser um dos líderes dessa transição ambiental e energética, o papel do Governo deve ser o de estimular e potenciar uma agenda para a transição tecnológica, mas simultaneamente alocar um conjunto efetivo de apoios à concretização dessas medidas, o que, infelizmente, tem acontecido ainda de forma insuficiente, nomeadamente ao nível do Plano de Recuperação e Resiliência”, atenta.
Os próximos 10 anos
Quando se perspetiva o futuro, o presidente da APEE acredita que a indústria vai continuar o esforço de automação e de digitalização, investindo em novas soluções: “Será mais limpa, mais verde e mais internacional”. A indústria que se tem de transformar é a “construção civil para passar a construir de forma mais sustentável, diminuindo os impactes ambientais no fabrico de materiais de construção adequados”, atenta.
Para o presidente da AEP, a importância das temáticas da sustentabilidade vai ser determinante, nomeadamente como forma de dar resposta a vários ODS das Nações Unidas: “Com o estímulo dos fundos europeus estruturais e a implementação de medidas concretas para as empresas nestes domínios, será possível alcançar uma diminuição muito significativa da pegada ambiental da atividade industrial e, simultaneamente, uma melhoria da produtividade e competitividade empresarial”.
A Química
Presente em 95% de todos os bens produzidos, a indústria química tem feito um caminho consistente de várias décadas, melhorando os indicadores de sustentabilidade, nas várias dimensões fundamentais para o setor: “economia, ambiente, energia, saúde, segurança industrial e ligação à sociedade”. Assim, a indústria química europeia e nacional comprometeu-se a contribuir para as metas estabelecidas no quadro do Green Deal Europeu, tendo assumido um compromisso de neutralidade carbónica para 2050: “Esse compromisso é particularmente relevante no caso da Química – um dos setores mais intensivos em consumos energéticos e um dos maiores emissores de GEE”, reconhece Carla Pinto, diretora-geral da Associação Português de Química (APQuímica).
Em Portugal, esse esforço tem sido realizado pelo setor e pelas próprias empresas de forma individual. A título de exemplo, em 2022, a APQuímica submeteu uma candidatura ao PRR para a implementação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica da Indústria Química 2050. O projeto foi aprovado recentemente e já está em marcha: “A Química tem estado no centro de um forte processo de transformação sem precedentes no passado mais recente”, acrescenta a responsável, frisando que têm surgido vários novos projetos industriais em Portugal, com fortes investimentos devido ao atual movimento de reindustrialização europeu. Portugal está muito bem posicionado para beneficiar desse movimento: “Só no caso da Química, os investimentos previstos para os próximos 3-4 anos ultrapassam já os 3.000 milhões euros”. Por outro lado, esses novos projetos estão a assentar em processos produtivos mais sustentáveis e descarbonizados e “a surgir em novas áreas emergentes de forte potencial de crescimento, e, principalmente, de forte potencial de induzir sustentabilidade e descarbonização em outros setores da economia nacional”.
Reconhecendo já o caminho feito, Carla Pinto atenta, contudo, que há desafios “regulamentares” e “tecnológicos” que tornam a jornada de sustentabilidade particularmente difícil, além de desafios associados à “falta de uma pool suficientemente alargada de recursos humanos com as competências e os perfis necessários” e da guerra na Ucrânia e a crise energética associada, tornando evidente o impacto dos custos de energia na capacidade de investimento das empresas para esta transição: “Dificilmente existirá uma jornada de sustentabilidade sem energia verde a preços competitivos”, acrescenta
Como tornar esta transição mais verde?
A diretora-geral da APQuímica considera que, no caso da Química, não há um caminho único para tornar a indústria mais verde: “Sendo um dos setores mais intensivos em consumos de energia e emissões e, portanto, sujeito às regras do mercado de emissões europeu (CELE), é também um dos setores industriais onde se tem registado um dos maiores progressos no processo de descarbonização”. As características do setor e o facto de contar com cadeias de valor e processos produtivos muito diferentes, traz desafios distintos.
Aliás, “atividades já fortemente eletrificadas coexistem com atividades com significativas necessidades de energia térmica, ainda fortemente dependentes do gás natural enquanto vetor energético”. Para além disso, no caso da Indústria Química, substâncias como “o hidrogénio, o gás natural ou o próprio CO2” são igualmente matérias-primas, entrando na composição dos produtos fabricados”. Dado o seu posicionamento no início das cadeias de valor, a Química é um “fornecedor de matérias-primas, inputs e soluções para outros setores”, o que a torna um “enabler” para potenciar os processos de transição energética, sustenta Carla Pinto, sublinhando que a Indústria Química nacional se encontra fortemente integrada em cadeias de valor globais, representando, segundo o INE, cerca de 14% do total de exportações nacionais.
Há várias “políticas públicas” que o Governo pode implementar para reduzir as barreiras e condicionantes que ainda subsistem, garantindo “previsibilidade, clareza e equidade” nas “regras e procedimentos” e nos apoios concedidos, “a nível nacional, mas igualmente a nível europeu”, atenta. Para isso, é necessário que exista uma abordagem harmonizada a regras e apoios entre os vários Estados-Membros da UE. E, “historicamente, não é isso que tem acontecido, com Portugal a comparar mal com a maioria dos restantes países da UE, minando a sua competitividade”. No entanto, as medidas do Governo como o Simplex Ambiente ou “várias medidas na área da energia e clima” vão no bom sentido.
Perspetivando o setor nos próximos 10 anos, Carla Pinto acredita que será “mais sustentável” e, simultaneamente, “mais competitivo”, enquanto acredita que será um “processo de melhoria contínua” que se prolongará para além da década: “será um caminho continuado de descarbonização e transição energética: a transformar-se e a contribuir para a transformação de outros setores; a contribuir para uma indústria e para uma economia nacional mais verde, mais resiliente, mais sustentável”.
Este artigo foi incluído na edição 99 da Ambiente Magazine