Por Rui Pinto, Future Energy Leaders Portugal / Associação Portuguesa da Energia
O panorama energético europeu está em constante transformação, marcado por desafios crescentes na garantia da segurança de abastecimento elétrico. No contexto português, o Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento do Sistema Elétrico Nacional para o período de 2025-2040 (RMSA-E 2024) publicado pela Direcção Geral de Energia e Geologia, a 18 de fevereiro de 2025, surge como uma análise fundamental para avaliar a adequação do sistema elétrico nacional.
Por outro lado, o European Resource Adequacy Assessment (ERAA)[1] representa o esforço da ENTSO-E[2] na coordenação do planeamento europeu para eliminar ineficiências de investimento num sistema interligado. O RMSA-E 2024 foca-se na capacidade do Sistema Elétrico Nacional (SEN), na cobertura da procura e gestão operacional da variabilidade das renováveis, devendo ter em consideração o definido no ERAA, de modo a promover um planeamento conjunto europeu.
Comparando os principais resultados do ERAA 2023 e do RMSA-E 2024, encontramos uma disparidade assinalável entre as conclusões de ambos os estudos. Enquanto o ERAA 2023 não identifica necessidades críticas de flexibilidade para Portugal — com um Lost of Load Expectation (LOLE), que representa o número de horas por ano em que é expectável que a oferta não satisfaça a procura, é praticamente nulo até 2033 — o RMSA-E 2024 alerta para possíveis insuficiências de capacidade após 2030 (ver Figura 1), especialmente com a saída progressiva de capacidade firme das centrais de ciclo combinado a gás natural (CCGT).

Em particular, a análise dos cenários traçados pelo RMSA-E 2024 revela que, na trajetória conservadora, o LOLE ultrapassa o padrão de segurança de abastecimento atual de 5 horas /ano já a partir de 2030, aumentando para umas preocupantes 158 horas /ano em 2035 (ou 103 horas por ano trajetória Ambição). Este resultado sublinha a necessidade urgente de repensar estratégias de segurança de abastecimento.
Como referido, para além do aumento da procura (em parte para produção de H2 verde), a saída prevista das CCGT após 2029 é o principal ponto crítico identificado. Estas centrais são atualmente essenciais para a estabilidade do SEN, e a sua desativação poderá colocar desafios significativos, tanto na cobertura da procura, como na estabilidade operacional do SEN. A proposta de um mecanismo de capacidade que assegure a viabilidade económica destas centrais, enquanto soluções de transição, é uma possibilidade a considerar. No entanto, mecanismos de capacidade a serem lançados, deverão, seguindo as indicações da Comissão Europeia, promover a participação de opções de tecnologia limpa de carbono como o armazenamento e a resposta da procura.
Relativamente ao papel da Procura, o estudo ERAA 2023 apresenta o potencial de capacidade adicional de demand side response (DSR) de 400 MW em 2028, para 580 MW em 2033. Esta indicação, validada pelo principal estudo Europeu, poderá ser usada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) no desenho de um mecanismo de capacidade com um prazo mínimo de 5 anos (2028-2033), que permita aos agentes consumidores terem a previsibilidade necessária daquele que será o seu papel no médio prazo, permitindo assim os investimentos vitais para a flexibilização dos seus consumos.
É importante alertar para a necessidade de adaptação metodológica de Portugal ao modelo ERAA e para a definição da Norma de Fiabilidade a nível nacional, por forma a justificar, de forma inequívoca, junto da Comissão Europeia a necessidade de mecanismos adicionais de capacidade.
A construção de um sistema elétrico resiliente requer uma visão estratégica clara, baseada em dados sólidos e alinhada com a realidade europeia. Ignorar os sinais de alerta identificados no RMSA-E 2024 pode levar a um cenário de vulnerabilidade energética, sendo necessária a reflexão sobre medidas preventivas e estratégicas para garantir a segurança e a resiliência do sistema elétrico.







































