Por José Maria Júdice, COO da B-Parts
Vivemos numa sociedade ainda muito marcada pela dicotomia entre, por um lado, a preocupação de consumir de forma cada vez mais verde e sustentável e, por outro, a necessidade de gerir orçamentos pessoais e familiares cada vez mais apertados.
Esta dicotomia existe porque, de um modo geral, optar por produtos sustentáveis significa comprar mais caro e existem, inclusivamente, vários estudos que procuram perceber a disponibilidade do consumidor em pagar mais por produtos que reflictam a sua preocupação com o meio ambiente e as gerações futuras.
E é, também, por isso que várias empresas tendem a desvalorizar a sustentabilidade como critério de decisão no momento da compra. Isto porque, pensam, o preço fala mais alto na cabeça dos seus clientes. Não estão totalmente enganadas. Se é verdade que ainda há clientes para quem o impacto ambiental das suas compras é irrelevante, também o é que existe um outro segmento, em crescimento, para quem a sustentabilidade é o principal factor de compra. No entanto, a maioria das pessoas e empresas encontram-se num “messy middle”, procurando conciliar o extracto da sua conta bancária com, aqui e ali, escolhas responsáveis.
Felizmente, o crescimento exponencial da economia circular está a ajudar a quebrar essa dicotomia. Os consumidores perceberam mais rapidamente do que a maioria dos governos e empresas que era possível simultaneamente poupar na carteira e no ambiente, sem comprometer a qualidade. Das roupas aos telemóveis, vários mercados informais têm vindo a ser estruturados, profissionalizados e transformados em negócios de milhões.
Os centros de abate de veículos de fim de vida, nome tecnocrático para as sucatas espalhadas pelo país fora, são um excelente exemplo disso mesmo. Durante muito tempo alvo de estigma, estas PMEs de base familiar prestam um serviço indispensável à sociedade, possibilitando que milhares de peças automóveis originais usadas – as chamadas peças “verdes” – sejam reintroduzidas na economia, poupando diariamente e em simultâneo, CO2 equivalente a milhares de viagens de avião, e milhões de euros aos consumidores portugueses.
No entanto, as peças “verdes” tardam em ser vistas como oportunidade pelos legisladores, pelo regulador e, até mesmo, pelo sector segurador, apesar de se ter registado um novo aumento do custo com sinistros automóvel no primeiro trimestre de 2025, desta vez de 9% comparativamente com o período homólogo.
Está na hora de os decisores políticos e do regulador avaliarem o modelo adoptado em França, onde, desde 2019, a lei obriga as oficinas a incluir uma opção verde nos orçamentos de reparações fora da garantia – a intervenção por via legislativa fez com que a percentagem de sinistros com aplicação de pelo menos uma peça verde passasse, apenas em 4 anos, de 9% para 17%.
Do mesmo modo, as seguradoras portuguesas podem e devem inspirar-se em modelos adoptados noutros mercados. No Reino Unido, há muitos anos que seguradoras como a Ageas ou a LV explicam aos seus clientes as vantagens na utilização de peças verdes, aplicando-as de forma transparente e criteriosa na resolução de sinistros. Para além do impacto na redução do custo médio de sinistro, conseguem com esta abordagem obter poupanças de CO2 elegíveis para metas ESG.
Nas palavras atribuídas ao escritor William Gibson, “the future is already here – it is just not evenly distributed”. E o facto de estarmos alguns anos atrás de outras geografias nesta matéria, dá-nos a vantagem de podermos olhar para o “futuro” e adoptarmos modelos testados além-fronteiras, para com isso acelerarmos a transição para uma sociedade que pode ser simultaneamente mais verde e amiga da carteira das empresas e dos portugueses.








































